.1




















erwin blumenfel







da seda-ou-revelo? 
(jus ao penúltimo acto)













cegueira






leszek bujnowski






*
*
*
não sei se o tempo é de memórias .se estas chegam
ou partem envoltas em excelências e na imortalidade
de um Ser-em
desnudam-se pendulares
na ausência dos ecos .filigranas semeadas no degredo
das horas perdem-se nas rugas angulares dos rostos
que
de tão vívidos
se apagam no efémero dos corpos onde o ilusório é
sinónimo de vil vivência
.ousam-se mordaças
.explodem marés
em sintonia com os anjos e os pássaros que
ao largo
suspendem as asas à medida da menina.pupila dos seus
olhos





ruínas






lee jeffries






*
*
*
às vezes
chegam-me as memórias para
distanciar o longe .para de vigilâncias
fugazes improvisar saudades .requerer
do tempo a calosidade dos eremitas e
com eles oscilar entre presenças e
ausências .opalinas como o tempo da
ociosidade em que os Amantes se
relacionam em epístolas adormecidas
.e o mar
- sempre familiar -
embriaga-se de alquimias dentro de um
coração subjugado pela luxúria e pelo
pesadelo de um exílio aposto ao futuro





desnudos






lamus dworski






*
*
*
somos um pouco mais de gente a
desnudar excelências .a quebrantar
o esquecimento e
na afonia de um ponto morto
a meticular a estrofe que
imperceptível
nos propõe um genesíaco parêntese
.e assim
de tese em tese
reclamamos na voragem do poder
um pouco de oratória
.orvalhamo-la  
- no deserto em que nos arrastamos -
de um cante-chão
expurgo
de uma vida a que a cegueira revestiu
de luto .apenas o silêncio nos amantiza
.apenas a solidão nos requer por tributários





embalo final






















“Porque choras, pai?
-Não choro, filha, estou a dar
de beber a um peixe que existe
dentro de mim” (…)


-in “Diário dos Infiéis”, de
João Morgado





timoneira de outros talantes






lucio ranucci






*
*
vens
ou permites fazer dos teus passos simples
rastos de pó?
vens
ou insistes em obliterar os sinais
quando ao correr nas falésias
entrelaças anéis de cobre na corrente que
te prende à margem?
em menina e moça
deixaste os braços de tua mãe e correste
silvados enfeitiçada por
histórias de princesas e reis .insististe em
tardes de ficar quando as manhãs se desfizeram
em lama e do outro lado do rio as pedras se
renderam aos dons Sebastiões desagravados na
erosão dos caminhos .há uma música que
paralela
teima em resistir .dirás que o tempo parou
.dir-te-ei que te enganas
perdido o norte
na aridez dos lugares comuns
.presságios de predador
.tão veros e reais quanto a paixão do aqui
.deste lugar de agora onde teimas
na vacatura do erro
.talvez porque me tenha em alvo a manhe’Ser
espero-te num sopro de crispação porque o farol
apronta-se a des.agregar as rochas
como tu que
insistes em não ver a cidade que te cospe no
altar dos silêncios





faminta de poalhas vadias






lucio ranucci






*
*
é preciso apagar a luz .o poeta não
é um fingidor
muito menos um arquivo ou uma página
reservada a uma simples solução de conflitos
.o seu corpo não se quer como epitáfio
nem a sua razão como uma boca presa ao
vento suão .há que denunciar -
como palacianos
- os Acordos fortuitos e resguardar o ventre
das esperas indesejáveis .não há causas
de fachada apesar de tudo ser negociável
.até a honra .e neste circunstanciar de
pleitos fico-me por aqui .sentada na
badana do livro onde não espero senão
a equivalência do real .sobram pretextos
e eu corro -
cercada de aracnídeos
- ao encontro do irrepetível





na erosão da escrita






lucio ranucci






*
*
cega e dissipante
resiste
a luz enquanto do
outro lado da página
os cavaleiros aguardam a ordem
de avançar .têm o futuro por bandeira
e o presente como método .vestem-se
de ideias e fazem da verdade o seu
princípio .a sua honra .nada
sabem
nem ousam saber
do estrume e das águas
estagnadas que o poeta
sob o altar dos deuses
levou a enterrar





com asas de fogo como mortalha






lucio ranucci






*
*
sei de ácidos de tesouras de perjuros
e voragens polidas ao a noite’Ser
.não sei de colagens e favores tecidos
na voragem dum presente que vassala
.vigilante sob a árvore dos símbolos
ofereço-me na expectativa
do in.declinável e sei
do mito
da falência e da vaidade mecânicas
de quem se tem como senhor do
poder adjectivo
.debaixo da volúpia e da ironia tecidas
em sátiras aveludadas
acomodam-se os que pouco partilham
num frenesim onde não há
vencedores nem vencidos
.a sorte lança-se de revés .o povo
desconfia e os senhores do mau gosto
aquecem-se nas chamas apagadas
da memória .na esquina da vida
o homem só estrebucha
agonizante
envolto no seu próprio vómito





o duplo sentido das palavras simples






lucio ranucci






*
*
senhora do essencial malquisto
manifesto-me na transgressão
mordaz
dos gestos trágico-cómicos

e acho-me -
na presunção
- vigilante





Colectânea "Dança de Palavras - palavras em movimento"






eis os dois poemas com que colaborarei na Colectânea "Dança das Palavras - palavras em movimento" 
,a convite da Pastelaria Studios Editora







fazer amor com a poesia



*
*
trago as palavras soltas na algibeira e
deixo-as numa confusão de afectos
quando à porta de casa procuro as chaves
.amantes
os poemas esperam-nas e
elas despegadas de qualquer forma
de linguagem
sobem as escadas numa
correria desenfreada
.há um cheiro a Poesia em cada
re.canto como se os lugares sagrados as
tivessem adivinhado antes de tempo
.há um re.acender de corpos quando
se atiram nuas sobre a cama em busca
duma intimidade que só elas conhecem
.e assim tão
irremediavel
mente amadas
ora se apagam ora se acendem
numa intimidade onde
não há espaço para a razão
.ávidas de um momento a sós
com a Poesia
gritam-me
fecham-me a porta e
num êxtase que me exclui
aprontam-se ao ritual dos gestos
num incêndio inverso
à cicuta que os versos
deixaram esquecidos
sobre a cómoda



ser poeta




*
*
falam-me de um outro modo de ser poeta
.não conheço .não quero conhecer amores
perdidos ou proibidos em redondilhas ou
rodriguinhos .limito-me a amar a árvore que
nasceu anã .a palavra que
escorre a contra-gosto pelos meus dedos
.o sorriso do esquecimento que oblitera
o meu país onde a linguagem se perde
em risos intermináveis
.as palavras são estilhaços que deixo colados
aos regaços e com elas
percorro labirintos de tinta nascidos no
meu peito .cinzas que se consomem
à nascença em restos esquálidos
ou tão desabridos quanto o Levante
.é no contraditório que lavo as mãos qual
Pôncio Pilatos de quem herdei a traição
e o rastilho .acendo fósforos que lanço ao
mar e no caos com que agasalho a vida
cravo as unhas nos ramos das árvores
como des.agravos de uma servidão mal
levedada
.uso a caneta apenas para acender o dia 




Gabriela Rocha Martins
,Junho de 2017





a noite






kay lynn






*
*
*
denodo de impasses ou vergôntea de morte
são os passos dos poetas .imperceptíveis
ao crime que os sustenta .à alienação que
os reverbera numa ascese que os mesmos
não assinam .na imobilidade dos dias
erram por sílabas e sílabas gotejadas pelo
próprio sangue e distanciam-se do medo
que os sustém à boca do erro .solitários
num vaguear a morte esculpem-na em
moratórias assinadas a contra-gosto .o
tempo
- esse senhor do Ocaso -
levá-los-á de manso a noivar a distância
a cobrir de neve a cintura do silêncio e
a esventrar a conjugação do verbo .e
neste atropelo de ilusões regateiam
ao desbarato
a textura nocturna que lhes serve de
agasalho e cama





guardo o futuro na palma da minha mão






lucio ranucci






*
*
venho do outro lado
de um ventre estéril de perguntas e
respostas banais .trago a decadência
como acendalha .e no falso oráculo
onde ousei a sorte
tive num lapso de memória
as omissões e os in.desejáveis como
companheiros de jornada .parei na
baga e omiti a pontuação como
barcaça para um outro caminhar
.revesti-o de veludo e sedas e deixei o
ácido da peçonha escorregar entre
os motivos do agora e o êxtase final
.tornei-me a boca da serpente .o prelúdio
quase métrico dum sinalizar depois
.depois partilhei o silêncio com os
deuses e ao tornar-me mortal
troquei a infâmia pelo granizo
.vertical
mente
livre deitei-me sob a árvore da sabedoria
e deixei-me a dorme’Ser
vária e insubmissa
.in.disponível na minha viagem
sem encontros com o passado





o pacto






hermann herzog






*
*
*
recorro a um pacto fáustico e morro
no improviso que me cobre como sudário
.no vento convirjo .ao vento recolho tendo
por companheiro um bando de aves
rapaces .valho-me da menoridade de um dia
a mais ou a menos .torno-me a espectadora
alienada
dos revoltosos e dos timoratos
porque é no tempo dos diálogos interrompidos
que nos vemos
reflexos
de um País a coincidir com a menoridade do
mar
.vendo sintaxes
afasto o verbo
aproprio-me da forma
rasgo o silêncio
e lavro
com mãos marinheiras
o chão das memórias alígeras





e as palavras que não chegam






lucio ranucci






*
*
terrível este abandono do homem
só .caminheiro solitário de passagens
suicidárias assumidas no colectivo
das horas dos minutos e dos segundos
dissipados na ilusão matemática
.eis o retrato a sépia do homem só
.do homem prático
abandonado à exigência de um
estender de mão
mas que tem o vazio como retorno
.ao homem só -
mecânico no falar a-dentro
- sobra-lhe a sombra dos Outros
.falta-lhe a consistência e a raiz
.sobra-lhe o cogitar vaidoso do
aplauso .falta-lhe a verdade
.as asas dum Pássaro de prata na
ausência dos lugares comuns
.sobra-lhe a imprudência
e o salto mortal
.falta-lhe a génese e a matriz
.no chão de pedra o homem só
teima em pontuar numa insistência
de des.graças medianas e espúrias
.sonha com um
final apoteótico onde se descosem
as sinestesias do crepúsculo

pobre homem só .tem-se
como enigma
irresgatável no abismo que já é morte





Antologia "Os Lugares da Escrita" ,coordenada por Luís Ene






A tua escrita é, de alguma forma, influenciada pelo lugar (ou lugares) onde vives (e ou escreves)?

não .
sou ,por definição ,um Ser-em transgressão que escreve ,sobretudo ,sobre o Ser-em .e ,transgrido quando pego nas palavras e com elas e nelas me torno uma vagamunda .uma simples vagamunda das palavras .logo os lugares físicos não me interessam .talvez as suas memórias ,porque sou ,igualmente ,uma poeta de memórias .fugidias ,na medida  em que ,para mim ,o passado é aquilo que eu conseguir fazer do futuro
gosto ,todavia ,de quando em vez ,de refugiar-me no meu lugar de lunagem ,onde ,co-habitando com Vergílio Ferreira ,Margueritte Yourcenar ,Maria Gabriela Llansol ,Alexandre O’Neil ,Nélida Piñon ,Sylvia Plath ,James Joyce ,Appolinnaire ,Jacques Derrida – para evocar ,apenas ,alguns companheiros de “route” e meus mestres tutelares – estabeleço jogos de construção e des.construção com os leitores
à semelhança de Manuel Gusmão que afirma e ,muito bem  - “o leitor escreve para que seja possível” - eu procuro tecer ,com os meus ,malhas de evasão ,tendo apenas uma única premissa – a Norma linguística .tal pode ,no entanto ,parecer uma contradição .não o é .é preciso saber para transgredir
tenho dias ,horas ,minutos .não tenho lugares .ergo os meus olhos e com as mãos procuro purificar o poema ,e ,a preto e branco ,fora do espaço e no tempo ,escrevo o Verbo que me é raiz .tão só

Gabriela Rocha Martins
,Junho de 2017





*********************
************
***






.
.

é no princípio da noite
quando o dia adormece
 que recordo

o tempo das cerejas

pousadas
no regaço maduro
de Deméter

.será que Março ou Dezembro
ao vestir a fruta

ao despir
os galhos

melindram ocasos
em sussurros de asa?





.
.

re.invento o verso
a pausa
neste embuço

inglório

de trabalhar
a palavra

.des.construir é o meu
modo de construir

enquanto a outra
metade de mim

mergulha

na vagamundagem
dos luzeiros

.ao longe

a 8ª sinfonia
de Sibelius



 


.
.

devagar
mui devagar
na calma do en tarde’Ser

as palavras
como as cerejas

escorregam
pelos poemas

onde co-habitam

a avidez
a intolerância
e a pestilência

dos seres em negação

.é tarde
meu amor
para dar voz ao inumano





.
.

nos labirintos do tempo
entranço e desentranço
as horas mortas

do devir

num embaraço
só meu
onde o sol ao a noite’Ser

serve a vigília
dos duendes e

tudo à minha volta
se entrelaça
num a-braço

censurado

.são horas
meu senhor

de desbravar o
imaginário





.
.

chegas com a alegria
nos bolsos
e as gargalhadas
à volta

do teu corpo

.usas as mãos
para

inquietar-me
entre-aberta ao prazer

e arrebatado

devolves-me nas asas
do falcão

ao menstruo
ao perdimento

do durante e
do após

.és poeta





.
.

após
e só após
adergam os begardos

os argonautas
os filisteus

para que tudo à nossa
volta
se inquiete

e eu
no varandim do templo
solto vozes
entorno versos
selo vertigens
recolho beijos

escrevo corpos
dou voz ao medo

atenho-me

em ser MULHER





.
.

tu és aquela
eu sou a outra

metade
que inventei

livre
bravia
ávida e faminta

.somos as aprendizes
do Lugar

a superior condição
das mulheres
que pé ante pé

excruciam na noite
a torpeza
a vileza

do dia seguinte





.
.

deixei a tua imagem
colar-se aos meus olhos
à minha cara

ao meu corpo

.assumi o compromisso
de não voltar atrás

mesmo quando o cinismo
re.vestiu os dias as horas

e os minutos

.de quando em vez
penso em ti

cravo filigranas de puro
êxtase

e acredito que amanhã
o des.laurear

voltará a irmanar os nossos
passos

.seremos
no silêncio das lonjuras

um des.interesse a dois

assumido em laçadeiras
per.feitas de.mais





.
.

ontem
o verbo conjugava-se
na primeira pessoa do plural

hoje
quanto muito
impera
o Eu

e a Poesia
guardiã do Tempo

veste-se
de surrapa
guarnece-se
de arminho

e adormece

verso a verso
no assombro e
no excesso



10º


.
.

pela calada da noite
na vertigem
do acordar

sem pressa

dispo-me

e à medida que escrevo

entorno-me ou
deito-me

encostada à verve
que deixo como reverso

da pele

onde afundado

o beijo se circunscreve
a um simples verso



 Gabriela Rocha Martins
( inéditos ) in tetralogia do Ser em transgressão ( blogue "depois das palavras chegam as cerejas" )






Entrevista de Pedro Jubilot para o Jornal do Algarve











QUOTIDIANOS POÉTICOS
COM GABRIELA ROCHA MARTINS


As perguntas servem de guião para o texto que depois comporei. Usando muito das respostas, claro. Às vezes com ou sem as perguntas…
(podes responder aqui directamente, a página do jornal tem pouco espaço, mas serão umas 3 páginas de word, e podes usar a tua marca gráfica, se os senhores que fazem a paginação não se baralharem, mas eu avisarei J )
A fotografia/s pode-se tirar do facebook, ou Google?
Ou manda uma…
Preciso de uma pequena biografia para complementar …

Pedro Jubilot

------

Como é o quotidiano do eu poético / tu com a poesia da tua vida ? Da tua poesia? (isto é um pouco confuso, abstracto…mas…

“Ser poeta é…….” Não ,não sou .nem o princípio nem o fim .não estou nem no aqui ,nem no agora .estou e digo .falo .escrevo .brinco com as palavras e com os leitores com quem estabeleço jogos de fuga ou persuasão .como o faço ,diariamente ,comigo e com os outros .não gosto de compromissos .gosto do Ser-em como premissa de uma vagamunda da palavra .é com ela e só com elas que me assumo .liberta .tudo o mais é voragem , até porque o meu livro de horas há muito que se fechou


Diz acerca de coisas dos teus dias em que acontece poesia ou que a faças acontecer? O que    há de /consideras   poético em certas horas dos teus dias

um dia ,há muito tempo ,alguém me ofereceu uma caneta e mostrou as estrelas .de imediato ,teci pontos de confluência ,silêncios ,afugentei medos ,chorei de raiva ,misturei-lhes gargalhadas e um pouco de melancolia .comecei a ter ,por companheiros de jornada ,um Vergílio Ferreira ,um Alexandre O’Neil ,um Manuel Gusmão ,uma Margueritte Yourcenar ,uma Simone de Beauvoir ,um James Joyce ,um Jean Paul Sartre ,um Rimbaud ,um Jacques Derrida ,um Haruki Murakami ,uma Sylvia Plath ou uma Maria Gabriela Llansol ,entre muitos outros ,e ,no meu acordar devagar ,fui colhendo pétalas .hoje ,tenho-os no meu dia a dia .acordo e adormeço com eles ,roubo-lhes ( sem plágios ) as palavras e as ideias e vou construindo novos trilhos ,novas cadências ,outros escritos ,sem regras e sem normas .não tenho horas para escrever .nem dias .nem semanas .o Levante é o meu senhor .todavia ,tenho a Norma Linguística como ponto de partida e de chegada .diários

Consegues escolher o livro (e poema?) de tua autoria preferido/s ? Os mais relevantes?

um livro – “a crispação de um toque a-fora o Ser”
poema - resíduos de in.satisfeição

gostava tanto de a dorme’Ser
em des.abrimento e
fazer
em excelência
da algaraviada
resíduos de um estar-a-sós
e de degrau em degrau
descorar
restos de uma morte
não suficiente

os mais relevantes – é possível amar um filho mais do que outro?


Autores que gostas ou que possas dizer te inspiram a escrever?

já falei deles acima .não me repetirei

Já ninguém usa caneta e papel, quanto mais máquina de escrever, que material usas para escrever, como é o processo material da tua escrita?
( é isto importante)
E o imaterial ?

sou ,por natureza e vocação ,uma amante do belo .o visual tem imensa importância no meu delírio escrevente .por isso ,não pontuo ,ou quando o faço ,por uma questão estética ,arrumo a vírgula e o ponto final à palavra que ,cúmplice ,se avizinha .não uso maiúsculas ,porque o computador é a minha tela e sou “uma senhora muito bem educada .não berro ,escrevo” ( exige-se uma gargalhada no fim desta frase ) .desconstruo e construo palavras ,naquele jogo que estabeleço com a Língua e o leitor .pergunto-vos? como se abraça? com os braços ,não? então o hífen ,também meu companheiro ,ajudar-me-á a juntar os braços ,afim de a-braçar ,porque o a-braçar traduz uma acção contínua .contrário ao hífen que junta ,o ponto final separa .se eu permitir ao leitor duas leituras ,porque ficar-me ,apenas ,numa? assim ,pego ,por exemplo ,no verbo referir e separando o prefixo re ,dou de bandeja ,a quem me lê ,a possibilidade de jogar com os verbos ferir e referir .e é este construir ,desconstruindo palavras que vou pintando na tela/ecrán do meu computador ,único meio de poetar .por fim
posso ,eventualmente ,no meu correr pelo dia ,parar numa frase que alinhavo num qualquer papel .posso acordar ,a meio da noite ,com um poema rascunhado .tento passá-lo ,para uma folha .esqueço-o ,durante horas e dias ,nas algibeiras ,sobre as mesas ,secretárias ,ou bancos do carro .há uma notícia que me chama a atenção .um homem que morre gazeado .algures,uma mulher violada  .na maré-baixa ,uma criança morta .um olhar perdido de um miúdo .homens e mulheres que fogem de nenhures .então ,há um grito que me obriga a consciencializar o Outro .aquele Ser-em que ,colado à minha pele ,me acompanha .e ,um dia ,numa hora ,pego-lhes e ,perante a tela branca do computador ,pinto e trabalho as palavras ,com amor ,com raiva ,com desdém ,com mágoa ,nunca com indiferença .uma ,duas ,três ,as vezes que achar necessárias .demoro a escrever

Quando ( dia, hora, estação do ano)  mais escreves ?

gosto da carícia do fogo .escrevo com o frio e como ave rapace ,a noite acolhe-me de braços abertos .é ,então ,no silêncio ,com o ladrar longínquo de um cão ou o barulho do vento de encontro à portada que teço miríades de presenças in.consequentes a que ouso ,de quando em vez ,chamar poemas
outras vezes ,é o tempo mais ameno que me estende os braços e qual barco peregrino ,deixo-me aportar mais longe
insisto .não tenho horas .não tenho dias .não tenho estações do ano .escrevo .apenas

Vícios, manias e segredos contáveis relacionados com a tua escrita …

sou uma mulher perfeita ( ahahahahahaha ) .não tenho vícios

Que livro de poesia estás a ler / leste recentemente?

acabei de re.ler ,na semana passada ,“Poesias Completas” ,do Alexandre O’Neil

Explica um pouco do projecto do livro  «a crispação de um toque a-fora o Ser ( i ensaio derivante )»


“A crispação de um toque a-fora o Ser” não é ,senão ,a minha homenagem a alguém por quem tenho uma enorme admiração e cujos livros descansam ,numa pequena secretária ,ao lado do meu computador – Maria Gabriela Llansol .às vezes tenho necessidade de pegar num ,enquanto os outros repousam e me olham de esguelha .preciso dela ( como preciso duma Maria Teresa Horta , duma Sylvia Plath ou uma Nélida Piñon ) para ser Eu na escrita .mas a Maria Gabriela Llansol ,como eu ,não é uma mulher fácil .muito menos a sua escrita .quando ,há anos ,peguei no seu livro “Lisboaleipzig I. O encontro inesperado do diverso” senti uma enorme resistência à leitura .não a percebia e a minha angústia em não entender alguém que admirava sem saber porquê ,levou-me a tentar lê-la ,mais e mais ( “Um beijo dado mais tarde” ,” Hölder, de Hölderlin” ,Onde Vais, Drama-Poesia?” ,O Senhor de Herbais. Breves ensaios literários sobre a reprodução estética do mundo, e suas tentações” ,Lisboaleipzig II. O ensaio de música” ,Livro de Horas I: Uma data em cada mão” ,Livro de Horas II: Um arco singular” ,” O Livro das Comunidades” e “Um Falcão no Punho. Diário I” ) e ,a par da leitura ,a estudá-la .a procurar ,nos outros ,caso ,por exemplo ,de Carlos Santos ,de João Barrento e Maria Etelvina Santos – igualmente responsáveis pelo “Espaço Llansol” – de Eduardo Lourenço e ,sobretudo ,da Maria João Cantinho ,que me conduziram ,pelas imagem ,lugares e tempo do universo llansoliano .a partir de então ,Gabriela Llansol passou a ser minha convidada diária … e ,de quando em vez ,havia recados que me pousava no regaço ,que me sussurrava ,enquanto ,eu ,mui lentamente ,ia sentindo a necessidade de interiorizá-los .de assumi-los como meus .e ,daquela crispação primeira fruto de um toque ,adveio a admiração pelo/a-fora esse Ser em excelência ,de seu nome Maria Gabriela Llansol .assim nasceu o livro “da crispação do toque a-fora o Ser”( assim se justifica o título )

Escolhe um poema (inédito ) teu para publicar aqui

um poema escrito sobre a água

*
há dias em que durmo sobre uma enxerga como
se um rol de andarilhos tivesse deixado num
vão de escada os andrajos do vagamundo
*
os vizinhos do prédio onde Amadeus Mozart
escreveu “Idomeneo”
conhecem-me os passos o
vestuário sujo as
mãos cobertas por luvas esbulhadas
*
sirvo aos transeuntes um naco de pão onde o bolor
se alapa para em troca receber uma nuvem 
carregada de chuva
*
não sei que mão devo estender ( porque )
reservo pendurado à esquerda um
saco rasgado por onde o argaço escorre
deixando para trás um oceano aberto
à genialidade
*
levanto a gola do sobretudo onde se acolhem
as pernas e visto-me de
sombras para
mergulhar faminta no repasto do chiste
*
a vida não é uma instalação de arte

Queres reflectir/fazer balanço sobre a TEIA…

quero ,outrossim ,re.lembrar um projecto colectivo – BIENAIS DE POESIA DE SILVES - onde ,de quando em vez ,um poeta/editor/pintor/músico/entertainer/sonhador/diseur/dançarina(o) se abriu à Poesia ,discutindo-a ,adoçando-a ,musicando-a ou deixando-a ,tão só saltar de verso em verso ,de nota em nota ,de quadro em quadro ou de pauta em pauta .foram dias e foram noites ,foram contaminações de rua ,frases soltas em paredes ,nas montras das lojas ou sobre as mesas e sob os copos ,inesquecíveis .marcas que os Lugares não apagaram e nos quais os Poetas foram deixando lastros ,também ,em Antologias várias .houve vozes do e no Tempo .houve Poetas .muitos POETAS em maiúsculas .houve ,sobretudo ,rescaldos de experiências poéticas que o rio Arade guardará em memórias ,do Crescente à Contemporaneidade .inovámos ,criámos ,fomos ,em dias ,meses e anos ,os andarilhos ousados e vagamundos das palavras escritas ,ditas ,cantadas ,representadas ,projectadas ,dançadas ,pintadas ,editadas ,sonhadas ,interrompidas .durante dez anos ( de 2005 a 2015 ) ,percorremos ,o País literário ,de norte a sul ,numa aprendizagem constante ,tendo a POESIA como viagem ,em registos que o futuro reivindicará como premonitórios

Algo que queiras referir….

fecha-se o círculo das presenças quando
se suicidam as gargalhadas e
o gato Kafka se enrola nas cordas do violoncelo
( ao longe – delicada -  a sinfonia nº 5 de Gustav Mahler )

brevíssimo curriculum-vitae

Gabriela Rocha Martins ,com formação na área de Direito ( Universidade Clássica de Lisboa ) e em Técnicas Documentais ( área de Bibliotecas e Centros de Documentação ) nasceu em Faro .tem quatro livros editados .foi fundadora e coordenadora do projecto literário ,a nível nacional ,“Bienais de Poesia de Silves” ( de 2005 a 2015) .podem lê-la em várias Antologias e Revistas ,em Portugal e no estrangeiro .participou em 4 projectos poéticos ibéricos e faz parte dos Poetas del Mundo .encontra-se representada em escritores.online ,Projecto Vercial e na Wikipédia .tem colaboração nas revistas virtuais Triplov ,InComunidades e Athena .a sua poesia e prosa poética podem ser seguidas em vários blogues ,futuros e-books e livros ,de que se destaca o blogue-mãe - “.cante-chão. (http://cantechao3.blogspot.pt/ )


quanto à fotografia ,escolhe ,no Google ,a que quiseres 



Gabriela Rocha Martins
,Maio de 2017