contrários






leszek paradowski






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*
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complacente à flâmula
aquieto-me à beira do vulcão
das palavras perdidas .descalço
as sandálias e ao pescador peço
a barca enfeitada de líricas várias
.rendo-me à poesia que me pega de
estibordo e a bombordo modulo
os poemas que me tomarão de revés
.suspeita ,avulso-me ao enterro das
vagas num longo arrojo de horas
.urge esquadrar a métrica e navegar
ao sabor dos contrários tendo a
rima como bússola e os parágrafos
como pontos de referência .apresso
a viagem carregada de ironias que
vou largando de porto em porto
escudada por frases
complicadas e perífrases
.retraio-me e
porque queda
excedo-me em versos que me queimam
os dedos





insólito






leszek paradowski






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das horas dos minutos e dos segundos
vestiu-se o homem-
de palavras e canto-chão
.ousou
na in.diferença do Ser-em
estender a mão -
mecânica e insólita
- aos que vaguearam pelo medo .sobrou-lhe
um rasgo de amor e
na quietude da tarde que lhe encheu os pés
de sombras fez-se ao largo
.na praia as mulheres teceram-lhe
em pranto
um véu de vida enquanto morte





trevas






leszek paradowski






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é na miséria que se coagula o pó
levedado pela des.temperança
dos que aspiram à mestria do golpe
 .cegam
e no circuito fechado do obituário
que carregam à nascença esmagam
a serpente que lhes serve de
capa .oscilam entre o perdulário e
o insólito
numa volúpia
que os transporta -
através do nevoeiro das omissões
- aos labirintos dos intocáveis
rebobinando imagens arquivadas
pelo mofo e pela in.diferença dos
que lhes servem de cobaias .servem-se -
entre mil artimanhas
- de gracejos enjeitados
pelo disfarce e tornam-se os
senhores das sombras
hospedados na corrupção que lhes
serve de realeza como elementos
duma conspiração orquestrada
ao detalhe .e no re.encontro
dual com os distraídos perfilam-se-
desprovidos de escrúpulos
-na viuvez que os distingue a nobilitar
as trevas





des.conforto






leszek paradowski






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perdi o lastro neste naufragar silêncios
acomodada às palavras a que nada pedi
e se as amornei em calma delas recolhi
um restolhar de recortes abandonados
ao sabor das intenções .não temo o
confronto nem me atrevo a desejá-lo
antes res.guardo a paciência para outros
desafios mais ao sabor da pele .labirintícos
os críticos perfilam-se .rendo-me à
evidência do gesto e hospedo desatinos
nos acordos que não celebro .a ambiguidade
do jogo perfila-se e a artimanha de quem
se tem a arquitectar uma outra sinaléctica
dissolve-se no tempo das aparências de
onde fujo .reservo-me para um escrutínio
mais terreno a que chego encoberta
pelos detalhes de um fermentar desejos
.só neste des.conforto de simulações
disperso-me por entre os pingos da chuva e
expectante
apresto-me a polir as arestas do engodo
.ir.redutível





dúvidas ir.reflectidas.4






leszek paradowski






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mar a-dentro
rio a-fora
qual amedronto de bruços na
sintonia im.perfeita entre a
criança e o anjo que balbuciam
palavras atiradas ao acaso numa
ascensão que se filia em fio de
ouro ou em rocha perfilada .assim
o acaso divisionário -
repetível
- neste angular sujeitos .avoca-se a
distância .a erosão e o silêncio .o
enternecer o perto quando o longe
se afigura já memória .lapsos de
vivências ou vento cru a amenizar
adeuses .seremos nós?





contextos refectidos.3






leszek paradowski






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sim 
.somos um barquear a medo ou um
atirar pedras ao olhar
fortuito e macio
de uma cobra-de-água .assaz volátil
quanto a epifania de um pre-texto





ir.reflexões.2






leszek paradowski






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não
não somos .bastamo-nos num agora
dúctil .expectante quanto o silêncio
nesta terrível imperfeição onde se
insere a agonia .alguém demanda sob
a canícula – vens? enquanto o rio
resguarda o espectro de um vozear a
medo .temo-nos na diferença .um ou
dois átomos presos ao ventre da mãe-
-água ou um navegar e esmo neste chegar
ao rio .neste retardar a tarde em sujeito
rendilhado como se a margem fosse
o braço que se estende ao encontro
do outro lado da vida onde os sonhos
por sonhar amoram .de manso .no banco
rente à vazante
uma criança lança um barco de papel
à descoberta .olhos abertos ao futuro
num presente-
sépio
-de vãs glórias





reflexos .1






leszek paradowski






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piano
pianíssimo
roçaga a pétala pela primeira nota do poeta
.um pouco de silêncio na espessura volátil
,exige-se
,mas a música excede a excelência do
momento .assim a glória .o milagre do
som que transita da afonia tal o nosso
regresso à estrada dos símbolos apenas
comparável à crueza do vento que
nos espreita
com algumas estrofes mais além
.porém o rio .a quietude da água que
reflecte a melancolia do lugar ou a eloquência
do mestre onde navega a solicitude e o bom
senso .mais longe a imperfeição do Ser ou o
epitáfio da flor havida como reserva na
censura de um olhar vazio .somos nós





homofobia






leszek paradowski






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*
*
ainda hoje
a geografia do medo oscila
entre a reacção homofóbica e
o pânico que desnuda a
sapiência como se a vida fosse
um simples écran de sombras
onde o olhar envergonha .juízos
de valor vagam sobre os traços
do poente .a jusante
um jovem marinheiro adorna
os sons de uma flauta de pã
.viajante da noite saliva a
penumbra
ao sabor das feridas ainda por
cicatrizar enquanto ao lado
o corpo dum efebo dorme
encoberto pela melancolia
do silenciar peregrino





cansaço






leszek paradowski






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*
*
estou cansada do cansaço
que dia após dia
me cansa neste fervilhar de
desmedidos egocentrismos
.cansa-me tanto Eu .as idas e voltas
em torno do Eu .o holofotizar
permanente do Eu .presente em
páginas e murais de contradições
não avocadas .o infantilizar o medo
.a baixa auto-estima camuflada
em super-Eus .cansa-me a falta de
proporção ou a real noção
do Eu
- Eu.Eu.Eu.Eu.Eu
assumido à exaustão -
.estou cansada desta morninha
que me agasta o cansaço e
cansada de tanto cansar
prefiro-me na
estrada da dúvida ou correr em
direcção contrária
- Eu.Eu.Eu.Eu.Eu
invocado e endeusado-
.esta permanente arrogância de mim
que se quer só
no cansaço cansado de tanto
cansar os Outros
cansa-me

e assim
cansada de tanto cansaço
resto-me na solidão dos agnósticos





.2
























  ao legível










voraz






leszek paradowski






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*
*
acendo fogos e apago incêndios
com a mesma voracidade com que
mastigo uma pastilha elástica .e se esta
se me cola ao céu da boca volatilizo-me
em minudências ou em páginas e
páginas de puro gozo .sugo o sangue do
poder com a mesma cadência com
que deixo a carteira sobre a mesa ou o
casaco no chão .dispo-me de preconceitos
perante o logro e deixo-me escorregar
de mão dada com o pecado que mora no 
prédio ao lado .adormeço devagar e
na afonia do sonho facilito-me em
vocábulos .em jogos inquietos enquanto
atento os abutres que me hão-de bater
à porta .todavia
insisto na voracidade .plateio escárnios





apenas






leszek paradowski






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*
defeito de quem nos vê .apenas uma
evocação tardia .um des.embarque
de ocasos .um esquecimento aparente
ou um deslize sem causa .uma ilusão
que magoa .uma excelência maior numa
aparência vulgar  .um vaguear na linha
ou um horizonte de esperas .uma passagem
sem volta .um efeito frágil .omisso
.na vida um mero aperto de mão .álgido
.frígido .esquecido sobre a secretária de
uma repartição pública .é o que somos
.tão só





sombras






leszek paradowski






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*
*
se apagar o fogo que me é várzea
recolho ao silêncio virgem e
na impertinência que me é diária
sufoco a errância de um ficar
mais cedo como se o medo de um
jogar mais cavo fosse o tempero
de uma ardência que se quer folgã
.deslizo entre a amabilidade e a
maledicência pronta a abocar o
raro .desdigo e digo
-na harmonia equidistante do silêncio-
um pouco mais de fala e
omito as aparências voláteis de
um existir sem ser .a imobilidade
permite-me a lucidez desesperante
de um igualar as trevas apesar
da luz que tece pinceladas
multicores sobre as palavras
desnudas que se querem vestidas de
seda
.erro ao mergulhar
consciente
no conflito da incerteza e na certeza
do não ,não abdico do sim





fogo






leszek paradowski






*
*
*
ardo-me na fogueira apagada dos
consensos e atropelo lavas
desperdiçando errâncias neste
anavalhar de sossegos .mal pagã
de um retalhar distâncias demoro o
jogo e retardo as cartas certa
do deus que me esfrega um olho
atrás da porta .ouço o
restolhar maduro da terra e entre o
assobio do vento e o erro da saudade
ergo paliçadas sob o signo da correnteza
.serão as sombras o calibrar de omissões
ou o render dos signos? questionam
os bem aventurados
rendidos ao lirismo afogado
dos amantes em conflito
.deixo-me de lucíferos assentimentos
e penduro o
desassossego ao lado do teu rosto
.tardo a crítica e
na ironia que me é irmã
retorno à amabilidade
de um beijo con.sentido pela vulgaridade
dos incendiários da escrita





in.conveniência






leszek paradowski






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*
*
periclitante o ondular da pena     
sobre o órfico sussurro das madrugadas
púberes
.recados de um deus a uma musa
na caducidade de um sufocante
papel de diva .ardem os vocábulos .elegem-se
as diferenças num apagar de restos e Salomé
exige a cabeça de João Baptista sob o olhar
in.operante da turba
.morre-se de morte apagada
neste oscilar de fontes e os versos
eternos espelhos de uma indiferença mortífera
repousam maltratados na canalhice de quem
os quer anavalhados .outros escritores de
memórias
- que não eu
cansada de complacências -
levantam na cumplicidade de um raio o
sobreviver ao holocausto da escrita
enquanto
o sulco fraterno estabelece pontes entre os
moribundos .deixo-me embalar num sorriso
triste e digo-me que não volto atrás rendida
à in.conveniência do momento .sobram retalhos
.acende-se a viagem .arrisca-se a celebração
pagã de um adeus .do poeta a sombra ou o
desgaste mutilado do verso que não chega





restos






leszek paradowski






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sabe-me bem
acordar o dia

estender a mão
vencer o ócio

entrar no carro

dizer olá

agarrar o sol

.mas sabe-me
ainda melhor
a dorme’Ser a noite





dissonâncias






leszek paradowski






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*
*
sic transit gloria mundi
assim obliterei os prémios
as mordomias e deixarei
de questionar a mão familiar
que afaga
promíscua
quanto amiga
a mercê do narrador de versos

in medio stat virtus
persuadem
ao congratular-me com o princípio do fim

ira furor brevis est
quando os pássaros explodem sobre os
meus versos degolados
e
sem perfídia
dobrez
ou rancor
in loco parentis
me quedo
insurrecta
post mortem




contradição






leszek paradowski






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*
semente de vadiagens a tua mão
percorre o meu corpo e desfaz-se
em labareda quando os meus
olhos anunciam a paralisia de
um estar mais breve .é a excelência
de um seio
ou o ouro do alquimista que revestidos
de imortalidade
se apagam no mar efémero dos
sentidos .de nu se veste a bastardia
dos dias numa aparente contradição
de mortes anunciadas .ofereces-me um
fósforo .dou-te um cigarro .irmão voraz
da invernia devolvida a Sansão enquanto
Dalila serpenteia entre bandejas de
prata
.e
na ressonância explosiva do voo dos
pássaros
acentuam-se as rugas colhidas pelo caminho





o rio






leszek paradowski






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*
cansada das palavras difíceis e dos
discursos que me levam a nenhures
penduro os sapatos na porta da rua e
descalça
percorro os horizontes da escrita em
demanda de uma outra forma de
re.escrever o longe
.perto
o rio devolve-me a ressonância magnética
da explosão cósmica





quatro ismos






leszek bujnowski






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*
contraponho
o sincronismo das horas ao
anacronismo dos segundos e
adversa
ao metabolismo pendular do corpo
- ao não ser ninguém -
raso-me na terra onde demoro o
vento e a nudez como sinónimos
de um antropoformismo feito de temerosos
abalos
.acordo
tendo como pano de fundo as
interpretações ao piano de Saint-Saëns e
despeço-me dos sonhos vestidos de
púrpura afim de embriagar a lucidez
que alucina o meu medo de desdizer os
oráculos
.oscilo
entre os minutos abandonados à diáspora
e torno-os candidatos a um pleito de
excessos onde Judite e Holofermes me
visitam em jeito familiar de amantes
estilhaçados





amanhã






leszek bujnowski






*
*
*
amanhã é tempo de soltar os ventos alíseos
estilhaços
de uma mortalidade que arrefece as horas
ou
momentos pendulares onde o Verbo é um osso de roer
.talvez fome





paciência






leszek bujnowski






*
*
*
porque nos havemos tão repetíveis
neste ondular de afectos?
são os braços as agulhas tecedeiras
e o pretexto do poeta?
inventámos o silêncio quando as mãos
cobriram
as lágrimas e os olhos mergulharam
no escuro da página .de branco se
revestiu a evidência neste terrível
ondular .demais o imperecível .a
menos o vislumbre com que roemos
a paciência
.e tudo o mais é vazio
as horas
os lugares
as páginas
os livros
as palavras ditas e reditas à exaustão
tão avessadas e revoltosas
quanto a insídia
.quanto os plásticos que adornam
as lapelas dos mestres de cerimónia