..... e assim ACONTECE!





Carlos Pinto Coelho deixou-nos mais pobres .dele recordarei a sua profunda paixão pela Cultura .o seu in-conformismo .o seu cavalheirismo e sobretudo e sempre - o ACONTECE!



procurem ser felizes




falam do Natal como se o dia de natal não fosse igual a qualquer outro .sim porque todos os dias nascem e morrem crianças em qualquer parte do mundo .umas crescem e são as histórias da História .outras são as histórias que a História cala .mas para todas o seu dia é natal
falar de natal é falar de nascimento .primeiro lugar comum que não aprecio
por isso obrigo-me a falar do que ainda ninguém ousou .tchiiiiiiiiiiiiiiii. enlouqueci ou pura presunção
.nada disso!
simples devaneio porque não saberei inventar o impensável .começo a sentir-me uma máquina parideira de textos .não sei porque continuo a escrever mas sei que as palavras crescem na minha cabeça e se as não transformo em caracteres rebento no minuto subsequente
hei-de morrer com uma congestão cerebral de palavras
morte lindíssima para um vagamundo como eu .não verterei uma lágrima - desperdício de água - pela minha morte do mesmo modo que não consentirei a gargalhada .sei que os filantropos do choro alheio regozijarão com o dobrar dos sinos .esquecem-se que nesse minuto e hora despejarei pelas gárgulas da sé um te deum de júbilo por todos os imbecis e levarei apostados nas duas mãos os modilhos que lhes fui congeminando ao longo da existência
conheci seres obtusos e obturei-me .revi-me em mulheres invulgares e invulgarizei-me .sofri por homens sublimes e sublimei-me e quando tudo começava a ter sentido percebi que o nonsense era a única saída viável .não hesitei .transformei-me na centopeia que oscila entre levantar o lombo e avançar com as sessenta primeiras patas enquanto as demais apressam-se em fazer marcha-atrás
revejo-me no descalabro dos impérios construídos e ao contrário da revolução humana acredito na evolução dos primatas senhores de algumas cidadanias hodiernas
consinto-me no paralelo zero
entre um natal e um ano novo
faço o balanço dos dias das semanas dos meses e dos anos .revejo os trilhos que ousei percorrer sem perceber que um dia vou pretender quebrar o espelho que teima em reflectir foscas imagens .são a linguagem da criança que ousa segredar-me .mas o signo inscrito no espelho carece que o descodifique .passo uma mão suave mente pelo cabelo e a criança reflectida responde-me como se a minha mão fosse a ponte entre nós .mas de que signo falo?
gémeos? peixes? aquário?
nada que os doze signos do zodíaco possam materializar .antes o pequeno Ser que se encosta à minha secretária /ou o reflexo da imagem espelhada
é natal estipularam
com um dia preciso .25 de Dezembro
tento dar forma ao ridículo .interrompo-me .vejo o sinal proibido do que teima e bem questionar a relevância do que escrevo .fanfarronice .pura vaidade .puro narcisismo .talvez .mas mesmo assim insisto em escrever uma verborreia de palavras que vão criando círculos à minha volta
gloria in excelsis deo preparo-me para mergulhar no novo ano .se me afogar por favor não mandem acendar velas .sou alérgica ao cheiro da vela .ao fumo da vela .à cor da vela ... e a minha alergia é contagiante
alegria? que infamante dislexia!


post scriptum - procurem ser felizes



a dança das palavras




havia tentado que o voo dos pássaros lhe trouxesse a paz .o tempo havia passado e deixado as suas visíveis marcas .inventava sorrisos e gargalhadas com que pintava quadros que eram os seus diários e as lágrimas escondiam-se por detrás da gargalhada roubada ao palhaço pobre .nunca havia gostado da figura do palhaço rico .achava-o burlesco tão enfadonho no seu ar empertigado tão sem graça tão inútil
a imagem perpassava-lhe a ruga que tentava esconder dos outros mas que sentia vincada na pele
eram páginas da sua história .a quem interessava a sua história?
a borracha apagava a lágrima .não queria sentir-se triste .mas sentia-se .sentia-se senhora de um tempo que não queria que nunca havia desejado que inexoravel mente a perseguia .pendular .tempo de pretéritos como havia escrito Proust
no vaguear dolente das suas memórias
procurava ser feliz mas não podia mascarar a alegria no sorriso que escrevia diaria mente com todos os que não se queriam vencidos .a vida voltava todas as manhãs quando o frio a obrigava a recolher-se e alguém a chamava no tempo dos abraços e beijos partilhados
então o tempo pesava-lhe denso,quanto a manhã em que havia sentido a necessidade de se saber .o exercício iria ser difícil .acabaria por perder-se nos meandros do labirinto dos amantes que haviam deixado o navio por outros astros
o astrolábio da vida havia sido o instrumento que nunca soubera manusear e por isso havia perdido a face colada a faces quando esquecera a estrada principal .via-se sem retrocesso no beco em que como louca mergulhara .as mãos continuavam a tactear e as paredes que encontrava eram as memórias coladas a fita cola
de propósito havia esquecido a linguagem dos mortais .a caixa havia-se aberto e o cheiro a enxofre corria-lhe pelas mãos exorcizadas pelas perdas
no poker nunca havia sabido o valor do "fullen" de reis .ficara-se pela sequência de ases
gostava do branco quando as demais cores a atraiçoavam .o branco lembrava-lhe os palhaços .o palhaço rico .nunca havia gostado da sua cara pintada de branco mas gostava do branco porque era no branco que revia as suas gargalhadas
nada havia sido deixado ao acaso e o Velho do Restelo voltava ao seu encontro .haviam acordado a data há muito tempo na era das caravelas quando entregue aos seus sonhos de menina percorrera o mundo da fantasia
envelhecia e não gostava da velhice
as mãos tocavam outras mãos e iam tacteando rostos que se desfaziam no tempo das marés altas .esquecera-se que um dia também ela havia sido uma maré viva .mas a vida corria ao redor da morte .havia entre ambas um compromisso que não conseguia aceitar que não desejava aceitar que não queria aceitar .nunca haveria de perceber a morte até porque ninguém nasce para morrer .nasce-se para viver e a morte é um estúpido acidente vascular
voltava ao tempo do não .preferia não pensar deixar as imagens deslizar dia após dia como se a viagem fosse uma das muitas que havia programado e feito .o avião era a recordação viva dos lugares onde estivera em duplicado e via-se como se mais ninguém estivesse no outro lado da tela
havia aprendido o silêncio desenhado o silêncio deixado que o silêncio a percorresse de alto a baixo e a reduzisse à ínfima instância
o pó

nota de rodapé - mais uma vez a dança das palavras havia-a fascinado .não havia sido capaz de resistir ao ritmo imposto pelo texto .rendera-se porque tinha consciência que na escrita era cem por cento dependente da palavra



as cidades em l - Lisboa




aquela praia sempre exercera sobre ela um particular fascínio .conhecera várias quando em criança saltava a crista ou mergulhava a onda .lembrava-se do velho bairro em Lisboa com as janelas das casas fechadas e revia-se nelas .a mãe costumava abri-las para as noites e as flores .era então que soltava o robe vermelho sobre o preto da noite .lembrava-se da mãe vestida com o robe vermelho / preto atirado sobre a cadeira do quarto
era verde o mar .era Junho
e ele costumava deixar um lastro de si em cada nota que retirava ao piano .manuseava as teclas como se rostos de mulher se tratassem esculpidos em sinfónicos vibrattos .as estrelas chamavam-no ,sempre a medo quando fechava o piano colocado junto da janela rasgada de parede a parede .um piano de cauda preto como o vestido que a avó usava naquela fotografia a sépia esquecida num velho álbum de família guardado nas águas - furtadas às recordações

lembrava-se que nunca estivera noiva
mas um dia havia de noivar .nunca na praia .em Lisboa .fora em Lisboa que se haviam encontrado e que ficara parada frente à montra duma loja baixa da estrela .polar .então prometera a si mesma conhecer o pólo norte ... talvez nesse Natal ... Belém ... São Salvador da Baía ... Lagoa ...
o mesmo ritmo os dois em coração acelerado a compasso haviam subido a avenida .haviam entrado no prédio .haviam chamado o elevador
eram brancas as ondas .era Julho
mês das horas passadas em banho maria
nunca lhe perguntou o nome
chegou a casa cansado e atirou-se sobre o sofá .descalçou os sapatos colocou os pés um sobre o outro e ambos sobre a mesa baixa .rodou o gelo no copo de whisky .molhou o dedo e levou-o à boca enquanto de olhos fechados ouvia em vinil a 3ª sinfonia de Mähler e
reviu-a
com a água a descer dolente ao longo da nuca dos braços das pernas do corpo aberto às carícias que lhe fazia todas as manhãs ao abrir o ser
amavam-se sempre ao som daquela sinfonia .ficara-lhes esse hábito desde a primeira vez .em Lagoa? .não .em Leipzig
Leipzig
era azul o mar .era Agosto
e a dança dos minutos escorria no relógio parado .ela porém feita senhora / dona do tempo .mulher / dona do mundo abria-se naquele afago de dia em férias .talvez o mar dissolvesse o abraço em que se tornara
era azul turquesa o mar .era Setembro em Lisboa e ela morria de tédio

estendeu um braço .relembrou em "slide-motion" as praias que havia fotografado ao longo do ano dos meses dos dias e das horas em demanda de algumas das cidades que se havia permitido
Leipzig ... Lagoa ... Liverpool ... Lagos ... Londres

alongou o antebraço abriu a janela e viu-o como há seis anos parado frente à janela .indiferente ao vento
o mocho enquadrado em olhos castanhos
era vermelho o mar .era Outubro



as cidades em l - Londres




era baixa a janela do quarto .dava sobre o mar e ficava a escassos 2 kilómetros do aeroporto .havia-lhe prometido que passaria por ali .assim como lhe havia prometido que tentaria encontrar o velho pescador .o velho dos sonhos por sonhar .fora ali que ele nascera .era neto de pescador
-olha a vaidade do mar meu filho .é da sua vaidade que nasce o canto das sereias .já reparaste que o mar nunca se veste por igual? hoje acordou zangado vestiu-se de cinzento .quando faz noitadas na política fica assim irado e cinzentão
... mas ontem teve noitada de amor .está brilhante e azul .é azulão o mar
... não não .parece o olhar de um menino .é verde
.... mas hoje aqueceu é amarelo
..... é prata .vestiu casaca e sobrepeliz
o mar carrega o sono de todos os cantos do mundo .fora junto ao mar que ela conhecera um dia o velho amigo dos gelados .comia todas as tardes idêntico gelado no passar de bicicleta junto aos barcos e aos meninos nas suas brincadeiras de bola-bola
o velho pedalava a bicicleta e o menino o mar
era tarde demasiado tarde para ser senhora / dona das brincadeiras em arco-íris projectadas nos seus olhos de mulher
os meninos eram hoje aquilo que ele fora ontem .um corre-corre de menino só .deixara o avô o mar e ficara velho .ele era o velho dos gelados e estava gelado de amar
o pássaro pousado em nenhures
desistira de entender aquele lugar .prometera-lhe e não voltaria atrás .mas iria por ele  perder o avião e voltaria a fugir de si .ouviria a velh ... não .não iria ouvir a sinfonia que o pássaro louco interrompera num salto mortal
.afinal tudo era mortal
ele .o mocho de olhos enquadrados em castanho e o pássaro
azul
o mar .estava cansado demais para pensar nas estórias que o velho iria inventar sobre ele .deixara de ser o fazedor de fábulas o autor de si mesmo e tornara-se nas praias que ela colocara na onda que sonhara meio enterrada na areia .dentro selara por ordem Leipzig Lagoa e Lisboa
o último acorde da sinfonia de Mähler seria o início do fim .o verbo partir .amanhã partiria para Londres
ele pousou o telefone .alguém estaria à sua espera no aeroporto de Heathrow
ela chegaria no voo 235 da British Airways
no filme projectado em sequências intermináveis



as cidades em l - Lagoa




chegara ao amanhecer a Lagoa certo de que iria encontrá-la no edifício restaurado do centro da praça .a cidade oferecia-lhe a possibilidade de revê-la no mesmo local onde a deixara .entraria sentar-se-ia na mesma mesa do costume e como de costume pediria uma bica e um copo de água .não sabia se acenderia ou não o cigarro .havia meses que tentava deixar de fumar .prometera-lhe quando se conheceram. olá-olá .foram as palavras que haviam trocado .em Leipzig
porquê Leipzig? porque gostava .deixara o rosto colado na imagem do último encontro .deixara a cidade .o continente .partira ou fugira .do amor? havia muito que deixara de amar .não se lembrava quando
era Verão .olhava como se fosse a primeira vez a simetria das janelas do prédio onde se refugiara
porquê Lagoa ?porquê Brasil ? Lagoa lembrava-lhe o mar .o seu mar
o universo a separá-los .todavia o medo ficara-lhe colado à pele .e se ela o tivesse esquecido? era natural .não tinha também esquecido os outros?
olhava as árvores .os olhos continuavam presos às árvores .as árvores de um qualquer lugar são como os olhos das pessoas .vêem o que está fora ao vento .resguardam no entanto o interior
e se ele fosse como as árvores de nenhures?
apesar do Inverno
deixara a janela virada para o parque aberta .era a maneira que haviam acordado quando fizeram amor .olá-olá .como da primeira vez olhara-o e sorrira .sorrira e olhara-o .o olá-olá viera como um complemento .ele soubera de imediato que partiria no dia seguinte .e ela insegura deixara-o com um sorriso atrás

nessa noite perdera o comboio para casa .ficara numa outra casa com janelas abertas .uma janela aberta para o mar .azul .gostava da cor azul .fazia-a lembrar Leipzig .fora em Leipzig ou numa outra cidade começada por l que o conhecera?
talvez
fora o seu primeiro amante .com ele adquirira o gosto pelo incerto .pela aventura .ela senhora de uma "imagem" certa certinha demais .ela que sempre temera a aventura
ao en tarde'Ser olhou as janelas .todas fechadas .saíra .não o esperara .o encontro ficara adiado .esquecera o olá-olá da tarde quente de Verão ao som da 3ª sinfonia de Mälher
atravessou a rua .no café deixara a mesa dos encontros a bica arrefecida o copo de água cheio e o cigarro no cinzeiro por fumar
entrou no café olhou a mesa sentou-se .bebeu a bica o copo de água e fumou o cigarro .devagar .não tinha pressa .ele só chegaria no dia seguinte .compraria flores vermelhas .e ele?

olá-olá



as cidades em l - Lagos




sabia que o mar não o deixaria partir .era nele que se refugiava quando as manhãs aqueciam o corpo em café .mergulhava o olhar e o Ser .era num mar de si que encontrava os seus restos .náufrago .no desconforto frio de quem olha o infinito e nada vê .nessa manhã ousava abrir-se de par em par mas nada via para além do mar .sempre o mesmo mar
em marés calmas .era assim que se sentia .cansada .pousava um pé após outro .avançava em slow-motion e desenhava a volta e a contra-volta no volteio com a brisa .quisera ser bailarina .de carne e osso .o mar levara-lhe o "pas-de-deux" numa viagem sem volta .era tarde e a noite fizera -se em frio

ela e o mar .aquém de ser um ser em perfeita suspensão na revolta .sempre revoltada consigo e com o mundo .havia perdido o voo 235 por causa do mar .irritava-a o modo como o mar continuava a comandar a sua vida .visitara entretanto outras cidades mas acabara sempre por regressar ao ponto zero .estivera em constante estado de alerta .sabia que o chamariam a qualquer momento .fora ele que houvera escolhido aquela vida .seguira à sua maneira os mesmos passos do avô .também ele se casara com o mar .mas ele não teria netos a quem contar as estórias prenhas de sereias
mergulhou a onda e sentiu a água percorrer-lhe poro por poro todas as estrias do corpo .ela quebrava o mar em perfeito equilíbrio .sentia o embate .ainda estava escuro quando ele sentiu o primeiro rasgo .a batida de dois corpos sólidos .haviam construído a sua ilha de amor no encontro dos corpos .sensualmente a água deixava-o em estado letárgico .mas era o mar que o empurrava a agarrá-la e a percorrer o seu corpo em sintonia com o barulho do vento .piano de início vibratto um pouco mais abaixo em turbilhão e 
era nesse momento único de vibrante encontro no ponto zero de chegada / partida que ela mulher mergulhava no mar .a ele tinha entregado o corpo .banhava-se às primeiras horas e repetia o mergulho .compulsivo
nunca a imagem fria do dia em que recebera a notícia a havia abandonado .costumava deter-se ao a noite'Ser ,junto da casa onde havia deixado o dia a manhe'Ser .percorrera os portos com a imagem dela retida em cada olho .fora no encontro do marulhar que encontrara a paz .mas o barulho das vozes acordara-o e ele o efabulador de sonhos acabara a última cena do filme a correr .seria de noite que os homens da praia encontrariam os restos do barco .ele havia perdido o medo .havia-se encontrado .no ritmo lento da última vaga a valsa irrompia no salão e ela dançava .dançava .quisera em menina ser bailarina .mas o mar sempre o mar interrompera naquela noite o pas-de-deux. fechava os olhos e confundia todas as lágrimas quando mergulhava na confusão do tráfico da cidade .ironia .estava numa outra cidade numa nova cidade em l e inundava-se em Ser .era a sua nova cidade .lagos de mar .em passo lento
regressava ao ponto zero e desfazia por fim o braço e o antebraço que a areia tecia
ela a onda .ele o mar



as cidades em l - Lake Tahoe




há muito imaginara aquele olhar .havia-o em vão ,procurado nas cidades do seu efabular .percorrera continentes e quando desistira encontrara-o solto ao ritmo lento de uma valsa dançada em contra-mão .desintegrado sentira as ondulações das searas que searara em dança lenta e regressara estranho às recordações de antanho

antanho era a linguagem de seus avós .havia crescido junto à terra gretada pela fome das manhãs abertas e desde cedo havia sentido a boca apagada em desejo de terra-pão

fustigada pelo vento não se deixara abater .havia pulado a cerca construída sobre os dias pintados em tons de azeitona .como as copas das árvores que costumava ouvir à noite entregue aos seus passos de caçador-furtivo .fora assim numa dessas deambulações que a encontrara .presa .aproximou-se e ela a medo levantou as asas no voo ferido .soltou os cães e ficou suspenso à dança do animal em voo através do montado .primeiro raso .depois mais alto arribando em direcção ao mundo

correra mais uma vez em tons de mel e engrossara o batimento das asas ao som da pressa do homem / caçador .sabia-se cativo daquele voar

filados os cães esperavam a voz de comando e ele quedo muito aquém da aventura seguia-lhe o volteio o silêncio da terra era o elo que os unia .ele o caçador-cativo

ela seguindo o ritmo do dia solta à migração do Outono

que estranho aquele olhar que se projectava na mira do caçador tornando-a vulnerável ao cúmplice jogo do agarra-e-foge .havia sido antecipado o encontro das asas e o desejo do caçador

agarrado ao sortilégio deixara-se cair sobre um manto de horas semeadas a esmo indiferente a tudo o que pudesse reescrever a fábula que antevira nas cidades deixadas muito lá atrás
ele havia sido o efabulador e regressava caçador como fora escrito no livro de reclamações

abriu a asa pronta a deixar-se prender
e olhou-o

e ele viu-se projectado no olhar em flash de uma ave / dona
cativo



as cidades em l - Liverpool




a água e o regresso ao nada .à matéria prima ou à sua negação .sabia-se de volta ao interior da bolsa .era na placenta materna que mergulhava de novo .aquém mundo .fechado na ratoeira dos espermas

o barco de papel levou-a para o outro lado da página do livro de reclamações esquecido em além-tejo terra de seereiros e mondadeiras
sabia-a no horizonte
parada .olhou-a antes de descer do táxi entrar na estação e apanhar o combóio para Liverpool .mui lenta mente seguiu-lhe o abraço solar e reviu-o

havia praia-mar e ele não sabia .desenhou uma nova linha no horizonte e sentou-se para vê-la regressar .abriu a porta e ouviu o compasso da respiração dele .forte .o barco continuava longe sujeito ao arquejar do vento na janela que se abria
e ele adivinhou o sopro de sol
ficou parado na ombreira da porta
hesitou .avançou um passo dois .deixou-se ficar a abservá-la .quieto

movimentava um braço .uma perna .volteava o corpo .arqueava a cabeça .estendia o braço esquerdo .rodopiava sobre o direito .parava e retomava o andamento .virou-se numa lufada de música .ele estava na sua frente .o antebraço subiu o chão a colcha o lençol a pele

e ele amou-a ,subita mente ao sol
fundiu-se na água .o silêncio vestia as horas e nada parecia quebrar aquele estar a dois .as pernas tocaram-se .era o cair da tarde e alguém içara a vela do destino .destino era coisa em que ela não acreditava .ela tinha sido o seu próprio destino. havia deixado o rio da vida correr e ouviu o tic-tac do relógio sobre a cama .lembrou-se que àquela hora deveria estar na Universidade .os alunos esperavam-no desde a véspera .faltara à promessa que lhe havia feito .descer a montanha-russa
ela porém fechava os olhos e deixava-se ficar .em silêncio .o ruído da rua chegou-lhe

em Liverpool os Beatles nasciam nas capas dos álbuns que havia deixado caídos no chão do escritório
inventaria uma outra estória .abriu a janela e

ouviu as 8 horas no relógio da torre .devagar muito devagar lembrou-se que era segunda-feira e que a esperava uma nova semana de trabalho



mulher




algo não estava certo .ela .sentada sobre a cama olhava a janela .a persiana corrida .o silêncio dentro fazia gorgitar o sangue que fluia feito de sonhos e dela .a janela trazia-lhe o barulho da rua .ela oferecia-lhe o silêncio em si .habituara-se às trocas quando lhe devolviam os trocos em velas nas igrejas do seu interior .gostava-as góticas ,não porque as visitasse ,antes porque acreditava que as rosáceas podiam encher-lhe a face de cor .a que não tinha
sentia-se tão linear
tão linear ao traço com que havia escrito a sua vida .tivera altos e baixos e os sapatos deixavam-na apertada .preferia andar descalça .pisar a areia .entrar no mar .comer as nuvens de açúcar e descobrir que apesar das fotografias tiradas e a tirar nunca saíra de si .as viagens que fizera haviam sido um erro .crasso .saíra ficando presa aos fantasmas que constituíam o seu olhar o mundo .que mundo? os continentes? os países? as cidades? perspectivas do seu olho interior .o que resistia .o que a segurava
.o que a fazia resistir ao medo .aos seus medos .em azul
pintados na tela que era a sua vida .nunca demonstrava que o medo fazia parte de si como se ao fazê-lo ficasse mais fragilizada .envolvia-se mas sabia-se sempre no outro lado da vida .a que o pintor jamais pintaria porque não tinha modelo que lhe servisse .a anorexia retirara-a do lado modelar e deixara-a simples aparência .de gorda .a mulher gorda que Renoir havia sensualizado sobre o leito .de morte .ela era a morte .a pintura .renúncia à cor e mais uma vez o medo de já não ser .de nunca ter sido .de não poder ser .o Ser que era
o nascer a Ser .Mulher



1ª página






este blogue ,de certo modo ,é um repertório de memórias .de memórias escritas ,ao longo de variadíssimas fases ,distintas no tempo e nos conteúdos .também ,de certo modo ,traça o meu percurso ,como autora ,ao longo dos anos .foi assim que (re)comecei ,num período já distante no tempo ,no entanto ,bem datado - finais da década de 60 ,e ,décadas de 70 ,80 e 90 do séc. XX
.tem sido assim ,após 2007 ( séc XXI )

dos anteriores rabiscos ,não guardo memórias

e assim me guardo ,escriba ,em ideo graphias ,prosa poética e verso .assim vou deixando rasgos por outros antros ,como uma vagamunda  ,tendo ,todavia ,o cuidado de resguardar ,neste blogue-mãe ,aquelas memórias que se propagam "ad aeternum" ,para serem tomadas

por quem as quiser por companheiras





ser no feminino




o mar em foz de rio .o mar .não havia resistido à necessidade de reencontrar o mar .como sempre lhe acontecia sem saber porquê .havia dias em que acordava e precisava de estar junto ao mar .do mar que constituía o seu ponto de partida e chegada .costumava sentar-se na rocha e ficar a olhar o mar .o infinito era o limite dos seus pensamentos .olhava o céu e redescobria-se em azul .o mar então devolvia-lhe imagens de calmaria .inventava a partida e o mar respondia-lhe em chegada

recolhia-se ao silêncio .a única voz era a do batimento do coração em ritmo pendular com o rebentar da onda .o céu escurecia .volvia o coração em mar e este respondia-lhe em batimento de rocha .elevava a imaginação e o mar estendia-lhe uma nova onda

o branco da espuma contraposto ao cinzento da nuvem .tentava preencher-se com as palavras que queria escritas no mar .eram palavras irreverentes .reinventadas na onda seguinte e na seguinte remetidas ao silêncio .nunca tinha percebido que o silêncio não tinha a ver com os outros mas consigo .ela era o silêncio

sentia-se mar dentro .havia descido até ao ponto de encontro .a água passara a ser mais um elemento que precisava .como o ar .respirou fundo .deitou a cabeça para trás e fechou os olhos .o mar deixou de estar à sua frente .estava dentro dela .saltava-lhe das mãos para os braços destes para a barriga da barriga para as pernas e quedava-se nos pés .havia sido preciso estabelecer aquele caudal para se sentir de novo .era o princípio do nada .a certeza absoluta que tudo se iniciava e terminava ali .dentro dela .tudo se havia transformado em água .o oceano imenso

pensar no feminino .estar no feminino .ser o feminino ao alcance da mão .da sua mão .havia tecido uma rota agora ao inverso .os rios correm para o mar .ela corria do mar para o rio .o mar constituía o seu porto de abrigo .o rio uma outra aventura .iria vivê-la .sabia-o .sabia-se ao olhar para dentro .afinal o que havia dentro de si? uma confusão de veias e artérias que conduziam a nenhures .também não queria sair dali .voltaria uma outra vez .e outra .e ainda outra .o apelo era o mesmo .o irreversível desejo de partir e de ficar .ligada ao braço de mar que ainda não era rio .ou ao rio que ainda não se chamava mar .estava serena .há tanto tempo que não se sentia assim .sem importância .tudo passava a relativo

sentiu um desejo irresistível de ser .o sorriso do outro .a gargalhada do outro .o rio do outro .e correu .não havia limite para o seu corre-corre .descalça .era assim que se queria .descalça .sabia-se a respirar mar .a viver rio .a ser rio .e riu .riu .rio



robots de mim




sentei-me com uma chávena de café ao lado do computador .liguei-o .as ideias entraram em turbilhão .as palavras amarraram-se como comandantes da escrita
a casa está em silêncio .bocejo entregue aos sonhos e pesadelos que visitaram as flores da minha memória .estou descalça .sinto os pés acompanharem o chão da casa inventada por mim .desconheço-me .assim como desconheço as razões da minha razão .começo o jogo

quero-me entre as fendas da parede como se as palavras preenchessem esta solidão redonda e animal que tenta exprimir-se .chega ou desaparece quando tento visioná-la no écran .a sua presença retira-se quase em sucedâneo para uma ausência inexplicável .qual o sentido que tento? questiono-me se acaso há sentido ou se procuro algum sentido naquilo que escrevo .porque tudo tem de obedecer a uma ordem .cósmica .a norma da língua .nada deixado ao acaso .a previsibilidade como palavra principal .é aqui que começo .o princípio lógico .mas desde quando há lógica nos pensamentos que encontro dentro da minha cabeça? deixo-os soltos .apercebo-me que existo porque sinto .porque me emociono .não porque penso .esse foi o enorme erro de Descartes .deixo-o no seu tempo .caminho para um outro tempo em que as emoções coordenam o tecnicismo do meu pensamento .sou ... o quê? esta sensação fria de que algo não está bem .apercebo-me que me dói o dedo com que martelo as teclas .percepciono a dor

esta passa a ser a relação que me prende à palavra .à escrita .mas afinal porque escrevo? porque me dói o dedo .apercebo-me da relação que existe entre a dor e o existir .entro mais uma vez no sistema quaternário da minha mente .recapitulo que nem o existencialismo humanista de Sartre pode imaginar a dor fora do sujeito mas sim na sua génese .é a sua consciência absoluta .mais uma vez as palavras comandam-me .disserto através de sistemas filosóficos como se fosse essa a minha necessidade de comunicar .faço marcha atrás .agora sou eu a comandar as palavras .um enorme écran branco projecta-se na minha frente .garatujo a in-inteligência do Ser como se tal fosse possível .o vazio .a ausência do pensamento .da emoção .uma branca

levanto-me .coloco a chávena de café no lava-loiça .espreguiço-me .verifico que até este movimento é telecomandado .nada existe sem mim .nada existe para além de mim .a realidade que vislumbro é uma criação minha .tenho olhos castanhos .vejo as coisas em tons de castanho .negativo .a cor da minha íris nada tem a ver com o cristalino .disserto sobre o facto da minha realidade ser diferente da dos outros .ninguém vive a mesma realidade mas em mundos paralelos .para quê a discussão ?nunca chegaremos ao lugar comum porque este não existe .não existe .ponto final

saio .apercebo-me que os meus passos são diferentes do homem que atravessa a rua em sentido contrário .sei que sou um narrador singular .um beijo ou uma carícia são projecções de mim .existem porque eu existo .porque os tenho dentro de mim

delírio absoluto do absoluto irreversível da vida .as flores não são flores .são projecções de imagens .mas imagens de quê? de flores .como funciona a minha mente como espelho reflector? nada existe no nada .apenas o nada .como se constrói então a ideia da flor? essência/projectada ou ser/existência? ela existe .a flor .daí as suas variedades .as espécies .regresso ao ponto zero .verifico que tudo gravita à minha volta .eu sou o centro do meu mundo .irreal ou não a realidade existe fora de mim .dentro de mim apenas projecções do real .o écran preenche-se de palavras amontoadas sem sentido .dou-lhes uma ordem .elas rodopiam .colocam-se no sentido preciso .afinal não são as palavras que me comandam .são robots de mim .e nunca será de outra maneira



algumas reflexões sobr'arte






ouso questionar -
-ainda vale a pena correr riscos?
-o que leva um criador a criar?
não sei .à minha volta há uma miríade de pequenos umbigos que não sabem não querem ou não ousam crescer....
...porque crescer exige um estar mais além
e quem atinge esse estado de quase perfeição?

todas estas dúvidas acentuam-se quando tomamos consciência de que o risco é tão necessário quanto a transgressão .o nosso limite passa a ser a aproximação aos outros desafiando os que se quedam estáticos na apreciação de si mesmos .toda a mudança exige riscos .não assumi-los acarreta um vazio ainda maior tornando-nos vulneráveis à dor .urge passar ao patamar seguinte - crescer .mas crescer exige introspecção obrigando-nos a tomar consciência de algo temeroso .nós .esse debruçar sobre nós conduz-nos a um nível de maturidade assustadora ao provocar um fortíssimo abanão no pequeno mundo que nos rodeia .tornamo-nos intransigentes .torna-se necessário não só quebrar tabus como viver no limite que o conhecimento impõe .o desconhecido passa a ser parte integrante do novo saber e ocupa o lugar do velho apesar da resistência sem que o mesmo se aperceba do seu esgotamento .basta-se num momento de tempo .esgota-se enquanto período de conflito .o criador - sempre mais à frente - tem-se na fruição e na descoberta .sabe-se uma milésima parte do consciente .senhor da ruptura e da construção .crítico do aparente e do real

após todas estas reflexões e face à inépcia a pergunta inicial retoma uma importância maior

- ainda vale a pena correr riscos?

deixo-a no ar para que cada um de nós responda.



day after//verdade ou consequência




reservou-se para o fim para as palavras finais que sabia de cor .sentia o gosto de desconhecer a fronteira entre o verdadeiro e o falso .mas a evidência dos factos estava ali nas respostas devolvidas ao remetente .assim havia sido acordado no ajuste do day after e ela não faltaria ao encontro

não .a cabeça começou a rodopiar e prefiriu-se em outra pele .passou à velocidade de um quilómetro como se nada tivesse acontecido .o silêncio havia criado um abismo intransponível como exigência das contigências ou contigência de muitos equívocos .não sabia e não queria saber .do outro lado as palavras haviam-se em demasia .vazias de conteúdo repetidas e tão iguais....preferia o silêncio e o não falar passou a sinónimo de não haver .mas o não haver também podia ser tido como desinteresse .então? nada .deixou o carro rolar ao acaso certa de que haveria de chegar a algures
.jamais a repetição de um logro

o relógio recordava-lhe o tempo sem tempo que havia encontrado para sua usufruição e porque se sabia sem tempo protelaria o compromisso assumido algures .se por um lado não gostava de faltar a compromissos muito menos gostava de ser usada ou manipulada .a utilização deixava-a incomodada e sabia-se contra toda a espécie de imposições .às vezes tentava desculpar mas no day after o cansaço invadia-a que deixava de se interessar .passava a vogar ao inverso dos ponteiros do relógio engolindo em seco todas as patranhas inventadas e repetindo para si mesma as palavras da Poeta - "perdoa-lhes ,pai ,porque sabem o que fazem
.o relógio deixaria de marcar as horas

olhava-se para lá do que a esperava .voltava a mergulhar no silêncio quando pela janela vigiava o invisível .era preciso não pensar sobretudo agora que se sabia sem pena alguma de não ter acreditado e de se saber feliz .não devia .mas sabia-se .sabia-se igual nos seus silêncios .começava a saber guardar-se .a não se comprometer no compromisso assumido com os seus pares e ímpares e essa salutar vivência deixava-a muito mais segura
viajara no limite e preparara-se para o golpe final com direito ao risco
.havia de arriscar-se

na sublimação .na catarse .era apenas uma questão de tempo .querer é poder .um pouco mais tarde .uma questão de tempo .tempo era coisa que não lhe faltava e paciência muito menos .havia-se habituado a saber esperar .a digerir tudo frio .com indiferença mesmo quando no primeiro impulso a vontade era de agir .aprendera a parar .não importava por quanto tempo .muito menos como .sabia-se na procura da verdade e do absoluto .tudo o mais era voragem .aprenderia a pintar .porque não? se havia aprendido a esperar .se havia aprendido a não ter .se havia aprendido a não Ser .também havia de aprender o gosto pelo não

tudo seria uma questão de passagem pelo tempo de ser
verdade ou consequência



triplo bluff




para certos intelectuais de direita ,a minha escrita é uma porcaria surrealista e eu sou um "animal" racional de mau feitio e muitíssimo mal educado - não respondo a provocações .não discuto

para alguns intelectuais de centro-esquerda a minha escrita é criativa mas não percebem porque fujo aos padrões da NORMA .sorriem de um modo displicente .admiram-me e são obrigados a tolerar-me

para os intelectuais de esquerda ( primus inter pares ) a minha escrita é forte amadurecida e já merecia um destaque maior .esses conhecem-me e sabem que sou autêntica .mas porque já não discuto mesmo quando me tentam dizem que perdi qualidades .e eu? não sei quem sou quando no caminho diário para casa me misturo no cimento da multidão gritante indiferente aos juízos de valor .acresço-me aos fins de tarde e prendo-me às imagens que qual filme decorrem na minha mente .ouso questionar o uso abusivo e verifico o ridículo de quem utiliza quem

desfaço em mim o equívoco e prendo-me ao significante .às palavras que têm uma vivência muito própria .são aqueles minúsculos pontos de interferência que me comandam .desde sempre .fazem-no de um modo inconsciente .quando pretendo conduzi-las ou apontá-las em outra direcção elas brincam comigo e juntam-se a seu belo prazer .conduzem-me .sigo-as no turbilhão ora ordenado ora desordenado das ideias que me afluem em catadupa .não ouso interferir com os textos porque se o fizesse perderia a minha liberdade criativa e passaria a ser presa fácil dos meus impulsos .não pretendo que as minhas pulsões interiores sejam os almirantes das minhas naus .gosto de navegar à bolina .ao sabor da corrente sem piloto e não tenho problema algum em fazê-lo só ou acompanhada

não .não estou a ser 100% sincera .prefiro entre o navegar só ou acompanhada fazê-lo acompanhada .há momentos porém em que o silêncio quando rodeada de muita gente me atrai sobremaneira .não consigo entender os atropelos por excitação de encontros ou por feitio e  por tal afasto-me por muito que isto possa incomodar terceiros .que querem? o meu fascínio pelo genuíno passou a ser muito mais forte .não pretendo acrescentar nada à verdade dos outros mas também não pretendo que interfiram na minha .se alguém ousa empurrar-me como uma mancha indecente em direcção contrária - o que é difícil - sou capaz de magoar mesmo com intenção .assumo mas uso a desculpa táctil no momento seguinte .paro .penso fundo e ofereço os meus lugares de paz qual flor invisível aos amigos

sou humana .regresso às ruas para voltar a sentar-me no beiral das palavras .estas nunca me magoaram ao longo da minha vida .aproveito o momento de pausa para cogitar em surdina e reparo com um misto de tristeza que os menos tolerantes ou não informados remetem sempre para outrem a causa da sua dor .passam a ser os seus pontos de unidade .interferem connosco e ao fazê-lo fazem-no de um modo fácil e egoísta no limite primário dos seus SUPEREGOs
há muito que não pensava assim
faço-o agora liberta de qualquer mágoa e nesta conversa sana comigo mesma .pouco me importa saber se existo nas palavras .pouco me importa saber se sou .pouco me importa saber o SABER

( triplo bluff )

deixem-me pensar que estou feliz apesar de presa a uma endémica incerteza
prefiro-a .como prefiro ser comandada pelos meus textos surrealistas pretéritos imperfeitos mais do que perfeitos presentes condicionais e futuros .até mesmo incompreendidos .rasurados .a facilidade sempre me molestou .atedia-me
desço as ruas que vou tecendo ao longo das páginas .nada me dizem as imagens encomendadas .sou uma profissional do jogo .jogo o ás de espadas e sou forçada a substituir os trunfos por outros mais autênticos no meu crescimento precoce .ah! já sei que não acreditam ( pouco importa .não sei se sou uma simples criação de mim .não sei )
prefiro-me no silêncio.



o transgressor de mim*




curiosa mente – até o início do texto constitui uma transgressão – e ao contrário dos puristas da Língua não utilizo na minha escrita literária maiúsculas .raramente pontuo e quando o faço contrario a Norma estabelecida mau grado as exigências a que obrigo os que me lêem
não o faço por modas muito menos por modilhos mas por questões pessoais e estéticas na medida em que cada escritor tem uma forma muito peculiar e própria de brincar com as SUAS palavras. aí reside a singularidade e a diferença
alguns que vão seguindo os meus desideratos literários “irritam-se” com – o que apelidam – as minhas modernices .mas meus Amigos os meus textos e/ou poemas nada têm a ver com modernices escolas ou movimentos .têm a ver outrossim com algo muito profundo que se prende com a minha forma de ser .sou por natureza

um transgressor de mim

escrevo com a necessidade urgente de transgredir de
ultrapassar-me para além do razoável

transgrido todas as normas consciente da transgressão

não há ventos que me estabeleçam limites
nem eu os aceito
nenhuma árvore se agita
não há cheiros
não há norte
não há pontos cardiais neste meu delírio
há apenas palavras que apodrecem no chão porque trabalhadas demais
tudo se resume ao lugar comum das horas que passam
os frutos que se comem
a água que se bebe ou se
derrama na calma de um Verão anunciado
o meu mundo passou a resumir-se à asa
de uma borboleta
apenas uma asa
obliterei a segunda porque assumi-la
seria criar um outro e
hoje quero-me só na confusão de mim

uma asa é uma pessoa
duas asas são duas pessoas que se perdem e
acham numa distância equivalente ao gostar
o amor subjaz no labirinto possível de um animal sozinho que
encontra outro animal sozinho
os dois animais sozinhos estabelecem entre
si uma viagem que os conduz
inevitavel mente
para a morte
dos instintos
dos desejos
as borboletas repousam nos círculos abertos pela
água que escorre lenta pela minha face
esquerda
sou um rio rarefeito na corrente
a direita sulcada de veios e
areias queda-se no equilíbrio da borboleta de uma só asa
rio-me deste mundo insano feito
dos teus cabelos
dos teus olhos
do teu corpo
do teu esperma
das borboletas que geram poemas na areia
apago-os como um pedaço de asa
pisados pelo animal que me resta
sou por inerência o transgressor de mim
retomo-me nas árvores que volto a agitar

guardada nas palavras que beijam o sentido proibido

_______________________________________

*há muito que os meus leitores mereciam esta explicação .dou-a pelo respeito que me merecem na certeza de que apesar das vozes dissonantes não irei modificar a minha escrita .agradeço desde já a paciência de quem continuar comigo .aos demais recomendo outras danças andanças & contra-danças



carta a um amigo ( ou algumas reflexões em princípio de ano )




caríssimo José!

costuma-se dizer ano novo vida nova .é um verdadeiro lugar comum e como tal merece-me pouca importância ou mesmo nenhuma atendendo ao facto de não gostar de lugares comuns .mas não são os meus gostos pessoais que pautarão esta crónica de princípio de ano mas algumas reflexões que tenho vindo a fazer ao longo dos tempos e muito particular mente no último mês .faço-o em fim de ano como balanço do feito pensado e querido ao longo do mesmo
observo no que aos partidos políticos respeita um afastamento cada vez maior das pessoas perante os mesmos .várias são as razões que podem explicá-lo desde um desinteresse cada vez maior da “res publica” a consciência da inevitabililidade – tão presente no nosso pensar colectivo - o deixar correr o desacreditar cada vez maior nos nossos políticos o desencanto a necessidade de chegar cada vez mais fundo para então sim tentar novas políticas e novos rumos .a partir do momento em que cada um de nós interiorizou o estar em sociedade e o viver em democracia participativa diluiu-se o papel do Eleito e do Eleitor – prática contraditória – que pouco agrada aos militantes dos diversos partidos políticos
só que a militância não se faz ( ou não deve ser feita ) com amargura mesmo quando os agentes têm razão ,porque a mesma acarreta para quem tem a consciência tranquila - mas alguém terá? - afastamento em vez de aproximação
além disso caríssimo tenho consciência em função da minha experiência ( e não só!!! ) do muito que alguns têm dado em prol do social sem nunca terem pedido nada em troca – os verdadeiros idealistas – que na presença dos oportunismos e dos pessoalismos exacerbados que vão presenciando diaria mente se distanciam quais observadores dum mundo em decadência .que é feito de todas as mulheres e homens deste Concelho que sem ambições de poder ao mesmo têm dedicado através dos partidos políticos onde militam a sua experiência e saber? conscientes da presente evolução da democracia (?) afastaram-se porque os seus desideratos perante o desalento passaram a ser outros .tornaram-se mais expectantes exigindo aos mais novos o que os mais velhos não souberam demonstrar ou fazer
assim sendo julgo por tudo isto que outros, e não os actuais agentes políticos mais novos em termos de idade envolvência política e militância partidária deverão ser os novos protagonistas das políticas sobretudo as autárquicas .quero vê-los dando provas em domínios que esses sim podem decidir e decidirão o futuro do Concelho mor mente no domínio da saúde – onde nada vejo de novo apesar da muita prosápia – no domínio da habitação social – onde estão os cérebros? – na área da segurança social – não há crâneos para tais abordagens? – na educação – então meus amigos?
a cultura essa filha pródiga como nunca deu nem dará votos sempre foi vista e continuará lamentavel mente como a parente pobre na qual não vale a pena investir como se a mesma a par da educação não fosse o barómetro da sociedade
mas prosseguir com este desabafo meu amigo levar-nos-ia muito longe e ambos sabemo-lo
assim prefiro manter-me na reserva sem dramas e sem ressentimentos .e agora mais do que nunca quero fazê-lo porque segundo vejo ouço dizer e leio há novidades que se avizinham nos tempos mais próximos para o Concelho de Silves
fico-me pela expectativa e aguardo-as sem ironia
e tu meu amigo qual o teu papel neste desenrolar da História sem história?
aguardo a tua resposta
com a amizade e a sinceridade de sempre

Silves ,Janeiro de 2008



uma utopia possível ( 2ª parte )




A Política faz-se pela positiva, não por contradição
foi com esta frase que terminei a 1ª parte da minha anterior crónica. é com ela que inicio a segunda porque em meu entender a política impõe uma séria reflexão introspectiva e actual sobre a comunidade em que estamos inseridos. reflexão que como um dia escrevi deve ser acompanhada de um profundo exame de consciência sem concessões para todos aqueles que quais Velhos do Restelo e com várias metástases tentam deturpar a verdade dos factos lançando o anátema sobre essa mesma comunidade
essa reflexão é tanto mais necessária quanto a nossa comunidade continua adiada marginalizada e minimizada
é legítimo em democracia que as Pessoas tenham ou façam as suas opções políticas. como é legítimo o contrário
todavia qualquer posição que seja tomada deverá sê-lo em consciência e não como factor de poder ou contra-poder .isto é: nos verdadeiros democratas as opções fundamentam-se em princípios interiorizados em que o “servir a causa pública” é sempre um acto político quer o queiramos ou não .não há isenção nos seres activos porque agir pressupõe “tomar posição em relação a” e esta é igual mente uma forma de poder .sendo este um factor determinante do estar em sociedade não pode nem deve sustentar-se em questões de índole pessoal mesmo quando camufladas no “bem servir a comunidade” porque o “ser em comunidade” exige o respeito pelo outro ou seja o respeito à diferença .outrossim este respeito pressupõe o estar sempre ausente no não agente o estar sempre presente no agente
há que afastar os fantasmas, consequências inevitáveis do ser em comunidade porque não são as nossas empatias que galvanizam as sociedades saturadas até à medula nas certezas dos HOMENS SÓS
e neste capítulo a Comunicação Social – escrita e falada – tem um papel preponderante
não para os que vivem os acontecimentos ou neles se envolvem porque facil mente detectam a in-veracidade dos factos a subjectividade das crónicas a informação tendenciosa
todos nós temos consciência da falibilidade informativa
mas se tomar posições é natural o mesmo não acontece quando não assumidas com frontalidade e verticalidade mas antes camufladas pelos imperativos de momento à volta de interesses pessoais presentes passados ou futuros
urge assumir sem diletantismos uma perspectiva racional porque os tempos das “paixões” são fugazes como a própria paixão
urge assumir uma perspectiva englobante essencial mente construtiva em prol do Humanismo da Solidariedade da Justiça e da Cultura porque só em diálogo transparência e tolerância é possível renovar as sociedades
somos Mulheres e Homens com os defeitos e as qualidades do género mas também com a fragilidade humana de nos sabermos emocionar .todavia confundir emoção com prepotência é não ser capaz ou não querer ultrapassar a própria incapacidade
urge assumir as diferenças .é o princípio da não contradição
assim ,deambulando pensamentos ou cogitando sobre o nosso passado recente chego invariavel mente à mesma conclusão – as nossas esperanças como poetas ou não-poetas sonhadores ou “homens práticos” ascéticos agentes ou ausentes não ganharão consistência primo enquanto não racionalizadas e interiorizadas secundo quando não colocadas sem dissimulados protagonismos ao serviço do bem comum
.só assim nos afirmamos como seres individuais e sociais
.em suma ,numa comunidade falha de verdadeiros substractos humanistas há que acreditar numa Utopia possível porque mudar é renovar e renovar é construir o futuro



uma utopia possível ( 1ª parte )




deambulando pensamentos ou simples mente cogitando chego sempre à mesma conclusão – a Humanidade divide-se em poetas e não-poetas .no primeiro grupo há aqueles que nunca escreveram um verso .no segundo há não só quem os tenha escrito como também publicado
ser poeta porém não se circunscreve ao escrevinhador/escritor citando Sartre mas antes à enorme capacidade de reinventar a utopia em tornar viável o inexequível .é a ascese
a afirmação do indivíduo como Ser uno  inserido todavia no social a que pertence por nascimento ou adopção
“Ninguém morre sozinho” escreveu um dia o Professor Daniel Sampaio .parafraseando-o direi que em cidadania ninguém “vive” sozinho porque o UM não é mais do que a minúscula parte do TODO e o todo somos nós poetas sonhadores “homens práticos” ascéticos agentes activos e passivos
em suma a Comunidade possível
mas as nossas esperanças como seres não ganharão consistência se não forem alicerçadas na busca da simbiose entre o ser pensante e o ser agente balizadas nos valores civilizacionais mais profundos e na modernidade mais actualizada hoje falhos de verdadeiros substractos sociais culturais e políticos
políticos porque a carência dos mesmos fez com que todos nós tivéssemos mergulhado pouco a pouco nos vícios atávicos do passivismo por um lado ou na intolerância e na pequenez cultural geradoras do diletantismo que subestima os cidadãos que não se reconhecem na partidocracia por outro
a memória é curta diz o velho aforismo popular
e como a memória dos homens tem tendência a repetir-se exige a moderna consciência que saibamos aprender todos mesmo os de fraca memória de modo a não permitir no presente e no futuro que o autoritarismo ( camuflado ou não ) domine perversa mente o nosso dia a dia enfraquecendo a capacidade criadora de todos nós
é fundamental que a cooperação e o diálogo prevaleçam dignificando o HOMEM Ser uno e social não o marginalizando porque fazê-lo é uma visão maniqueísta que acentua as já perturbadoras assimetrias económicas culturais e educacionais
são as Pessoas os únicos protagonistas das reformas e reestruturações e deverão ser eles numa perspectiva humanista os principais agentes das mesmas
em cidadania não há filhos adoptados
acentuar a diferença entre “nascidos” e adoptados é um conceito xenófobo que mais não faz do que preceituar a exclusão por ironia receio ou despeito?
a democracia exige que o Homem se torne no centro das relações sociais crescentes em número amplidão e qualificação .oferecer à liberdade humana novas possibilidades manifesta o devir e o dever-Ser dessa mesma liberdade o que equivale a dizer que só resulta através e com o homem
a política faz-se pela positiva não por contradição .muito menos com medo mentiras ou falsas verdades
tentar minimizar o Homem ou coarctar-lhe a criatividade são conceitos mesquinhos que só se equiparam à mesquinhez de quem assim age



ser ou não ser - eis a questão!




aproveitei o meu período de férias para entre outras coisas colocar em dia as minhas leituras

”Quem tem a sorte da nascer personagem viva, pode troçar da própria morte, porque não morre nunca! Pode morrer o homem, o escritor, o instrumento de criação, mas a sua criatura, essa nunca morre! E para viver eternamente nem sequer precisa de ter dotes invulgares ou de obter prodígios. Quem era Sancho Pança? Quem era D. Quixote? E, no entanto, estão vivos para sempre porque tiveram a sorte de encontrar uma fantasia que os soube criar, insuflar-lhes vida para toda a eternidade!” – escreveu Luís Francisco Rebello

é assim que o personagem de Hamlet sobrevive ao seu próprio criador que ao certo não sabemos se era William Shakespeare filho de um magistrado municipal cujo baptismo foi registado na igreja paroquial de Stratford com a data de 26 de Abril de 1564 ou se outro que escreveu sob o mesmo nome uma trintena de comédias tragédias e tragicomédias que para uns são um dos mais altos vértices do génio humano e para outros o produto monstruoso de um bárbaro
quem quer que tenha sido o criador de Hamlet do que não restam dúvidas é que o príncipe transpôs sem envelhecer quatrocentos séculos
mas Hamlet não é o único a ser eterno
com ele são-no Antígona e Electra; Inês Pereira D. Quixote e D. Juan; Hedda Gabler o tio Vânia Bernarda Alba a Mãe Coragem e quantas e quantos cujos nomes se nos tornaram familiares assim como os rostos os actos os gestos e as palavras que dizem
com Hamlet porém as coisas não se passam exactamente da mesma maneira .conhecemo-lo tal como os outros julgamos conhecê-lo mas no entanto cada vez que o encontramos ele surpreende-nos porque nos surge sempre diferente ainda que as suas palavras e os seus gestos sejam os mesmos .porque Hamlet não é uma máscara aplicada num rosto mas um rosto que a cada instante muda de máscara .é um espelho onde um rosto se multiplica em infinitas imagens onde se reflectem as suas diferentes máscaras .e aí quer queiramos quer não Hamlet é o espelho de cada um de nós
todos nos julgamos apenas um quando afinal somos tantos quantas as nossas máscaras .e Hamlet é a ilustração exemplar deste drama .drama porque o próprio espírito do príncipe não se vê uno ,mas dividido e contraditório .dividido entre o pensamento e a acção .entre a dúvida e a certeza .entre o amor e o ódio .entre o bem e o mal .entre a razão e a loucura .entre o Ser e o não-Ser – e  no entanto sempre ele
da sua personalidade se tem dito que é ambígua incoerente indefinida enigmática .com efeito ao longo das várias cenas da tragédia Hamlet mostra-se crédulo e céptico generoso e cruel audaz e tímido calmo e impetuoso cortesão e grosseiro ingénuo e cínico justiceiro e vingativo voluntarioso e “adormecido
e é por tudo isto que Hamlet se nos apresenta inesgotavel mente rico e humano
na 2ª Cena do 2º Acto Shakespeare precisa que Hamlet deverá entrar em cena a ler .então que livro lerá o príncipe? é difícil responder porque qualquer obra serve e variará conforme o sabor dos tempos
.assim teremos um príncipe da Renascença ou um herói romântico um racionalista ou um sonhador um místico ou um revolucionário um jovem torturado pelo complexo de Édipo um intelectual neurótico um antigo estudante que leu António Nobre sentado a uma mesa da Brasileira ou que esteve nas barricadas de Maio de 68 .todos estes Hamlets cabem no Hamlet de Shakespeare e por isso podemos dizer que ele é todo o mundo e ninguém
quem é de facto este Hamlet ou esta tragédia que há quatro séculos se representa em todos os teatros do mundo e que constitui para um actor a mais exigente e conclusiva prova de exame? um drama filosófico um drama político um drama existencial um drama metafísico sobre a condição humana um drama absurdo um psicodrama? – basta lembrar a cena da representação destinada a servir de armadilha ao rei e os conselhos dados por Hamlet aos actores que para esse fim contratou – e com certeza não ficam esgotadas todas as hipóteses
Hamlet quando a máquina infernal do destino se põe em movimento e a tragédia se aproxima do fim duvida de si próprio vê-se como os outros o vêem deixa de ser ele para ser aos seus olhos ninguém .se o consideram louco é porque é louco mesmo que finja não sê-lo .a loucura pode ser uma das muitas máscaras aplicadas no seu rosto ,mas para os outros a partir de então ele é verdadeira mente louco
não é por mero acaso que Shakespeare o põe a falar de si próprio na 3ª pessoa como se ele não fosse ele mas o outro que os outros vêem nele
morre levando consigo o segredo da sua enigmática personalidade
loucura verdadeira ou loucura simulada?
eis a questão: ser ou não ser!
Eu sou para os outros aquilo que me julgam ser ,e para mim não sou ninguém. O resto é silêncio” – são as derradeiras palavras do príncipe no momento de agonia
sábias palavras estas .palavras que talvez só um louco pudesse pronunciar



pergunta pertinente "qual o papel de cada um de nós na sociedade?"




De facto, há qualquer coisa podre sobre a maquilhagem, qualquer coisa fétida sob a organização social mais brilhante, qualquer fenda onde se insinua e desenvolve a semente que fará com que tudo desabe.
Eterna meditação sobre a queda dos impérios, o fim dos homens e sobre a poeira da História”.


- Marguerite Yourcenar.

tendo presente a citação de Yourcenar que particular mente admiro e face aos diversíssimos aspectos contraditórios da vida portuguesa ouso questionar - afinal qual o papel de cada um de nós na sociedade?
nenhum – respondem os descrentes!
como não aceito tal premissa congemino em voz alta…

cabe ( dizem-me! ) aos Politécnicos excelente montagem do POLÍTICO-TÉCNICO agir arbitraria
mente em nome do colectivo .é o pressuposto da representatividade .e o terrível é que há sempre uma desculpa – a de que a sua actuação é feita em nome de princípios regras e valores comunitários
.esquecem-se porém que a cidadania vive sempre noutro lugar no quotidiano de todos nós longe dos espectáculos e das exibições
.alimentar a ideia de que todos os fenómenos políticos têm de subordinar-se ao espectacular e às leis do mercado traduz inequivoca mente o empobrecimento da comunidade em que vivemos e impede o nascimento de ideias e a concretização de acções que permanecem
.e mais…
face a uma geração sedenta de eternidade e de poder essa mesma comunidade reage tornando-se mais frívola e isto porque há cegos demasiado habituados a sê-lo .são as relíquias de uma época a quem cabe a ingrata missão de prestar contas aos vindouros
.há porém quem tenha afirmado sem qualquer protagonismo político ou pretensão a tal ser tempo de dizer – BASTA!
fi-lo e fá-lo-ei reflectindo construtiva mente sobre o passado-presente a fim de projectar o futuro dignificando o presente como parte integrante de algo que se desenrola do interior para o exterior de cada um de nós .sem exibicionismos e paulatina mente assumida nas palavras de António Sérgio:
Meu Caro Amigo: continuemos a palestrar como dois bons amigos – sem nenhum finca-pé, sem paixão alguma, sem ceder ao furor de denunciar culpados. Criadoramente. Generosamente. Construtivamente.
Não desviemos os olhos do que realmente importa: o que chamo as “pedras vivas” do “país real”; e busquemos os remédios da actuação directa, cujo processo se nos apresente de maneira simples, clara, facilmente compreensível ao comum dos homens.
Pela qualidade dos frutos se julgará da árvore; assim se diz no Evangelho.
Então,
porque frutos julgaremos a tua governação, a tua presumível construção política?



novas reflexões sobre DEMOCRACIA e LIBERDADE




desde sempre que o homem tem procurado entender o mundo que o envolve e compreender-se a si mesmo, através da inteligência
todavia, o mundo não é ,apenas o que se vê e o que se deseja.
é algo de muito profundo, traduzido em actos e factos, perecíveis no tempo e que, mais cedo ou mais tarde, nele se apagam e reacendem
é um processo também de memória, quando o preço da incompreensão se reveste numa agressiva, se bem que controlada, desilusão
a angústia como dividendo da Utopia
– escrevi há algum tempo atrás nas páginas deste jornal
regresso ao mesmo tema dada a sua oportunidade e sobretudo a minha estupefacção face ao jogo das máscaras que alguns representam ( mais ou menos bem muito embora julguem o contrário ) no tabuleiro da vida
hoje em que o destino de cada um de nós se encontra cada vez mais comprometido pelas opções políticas o estar em sociedade só se justifica através da adesão a essa mesma sociedade .mas se esta adesão não tiver sido subordinada previa mente a imperativos fundamentais que para cada um encerram uma série de interrogações quer no plano ético das representações quer no plano material das necessidades o estar em sociedade repito não tem qualquer sentido
e quais são os factores que condicionam esses imperativos? como os interpretam os homens? quais as suas mutações históricas? - são algumas das questões que na contemporaneidade reflectem a noção de democracia o que não acontecia outrora
Rousseau por exemplo só conhecia a perfeita democracia entre um povo de deuses
há todavia que renunciar a esta perfeição ideal já que na viva experiência hodierna, “ela perdeu a serenidade de traços com que a enobreciam os filósofos do séc. XVIII, quando não era, senão, uma belíssima estátua num templo deserto. Se, por vezes, a semelhança nos choca, não é apenas a nós que nos devemos incriminar?
democracia pressupõe liberdade e é antes de mais um sistema que inclui a liberdade na conexão política .pressupõe ainda autoridade mas estruturada e fundamentada na adesão do social mantendo-se compatível com a liberdade do mesmo
a Declaração dos Direitos de 1789-91 dispõe que “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” o que demonstra a transcendência da liberdade e a obrigação das instituições políticas a ela se submeterem
não basta porém associar o princípio democrático à liberdade humana para tomar consciência do significado presente da democracia
liberdade equivale a autonomia que se traduz na ausência de coacção e no sentimento de independência física e intelectual
nasce deste modo uma nova concepção de liberdade e democracia a que poderemos chamar de participação ( liberdade participativa/democracia participada ) e que consiste em associar o indivíduo como ser social ao exercício do poder defendendo-o das arbitrariedades e do abuso e/ou prepotência desse mesmo poder
mas liberdade e democracia pressupõem também e antes do mais responsabilidade
todavia “que importa que o homem seja livre de pensar se a expressão da sua opinião o expõe ao ostracismo e à perseguição? Que seja livre de discutir as condições do seu trabalho se a sua situação económica o obriga a curvar-se à lei do empregador? Que seja aspirante ao desenvolvimento da sua personalidade cultural se esta lhe falta como mínimo vital? – escreveu Georges Bordeau
hoje tudo se passa numa subordinação passiva e irreflectida à vontade política que por seu lado se vê confrontada com um processo irreversível de dupla “morte” – de perversão de memórias e de ideais
.destarte torna-se urgente recriar a sociedade livre e democrática que alvitramos e defrontar o AMANHÃ sem medo demagogias e falsas esperanças mas com a consciência de que é no presente e em cada momento da nossa vida que vale a pena fruir a herança cultural de que somos herdeiros



Litterarius - palavras para quê?




1. Ficha Técnica

Direcção
Manuela Barros Moura
Esmeralda Lopes - directora adjunta

Copo Redactorial e Concepção Artística
( neste número )
Gabriela Rocha Martins
Hélia Coelho

Colaboradores
(neste número )
Amélia Vieira
Anabela Lourenço
António Simões
Augusto Mota
Carlos Alberto Silva
Ernesto Mello e Castro
Esmeralda Lopes
Gabriela Rocha Martins
Glória Maria Marreiros
Hélia Coelho
Jaime Salazar Sampaio
João Rui de Sousa
Manuela Barros Moura
Maria Toscano
Paula Bravo
Paulo Brito e Abreu
Risoleta Pinto Pedro
Sandro William Junqueiro

Premiados
2003
Modalidade - Poesia Erótica
Helder Neves ( Portugal )
2004
Modalidade - Conto
Valdir Moreira Lobo ( Brasil ) ex-aequo
Dora Gago ( Portugal ) ex-aequo
2005
Modalidade - Conto
Carlos Joaquim Fagundes ( Portugal ) ex-aequo
Cinthya Tavares de Almeida Albuquerque ( Brasil ) ex-aequo
2006
Modalidade - Poesia
Teresa Tudela ( Portugal )
Menções Honrosas
May Parreira e Ferreira - Conto - Brasil
Maria do Sameiro Barroso - Poesia - Portugal
Júlia Guarda Ribeiro - Conto - Portugal
João Elias Antunes de Oliveira - Poesia – Brasil

Ilustração
Augusto Mota

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Prémio Litterarius
Racal Clube
Rua Cândido dos Reis, 38
8300 Silves
tel. 282442587 - fax. 282445816
e.mail - premio_litterarius@sapo.pt
racal.clube@racal-clube.pt

Apoios
Caixa de Crédito Agrícola de São Bartolomeu de Messines
e São Marcos da Serra
Câmara Municipal de Silves
ISSN: 1646-6888
Pepósito Legal: 255823/07


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2. Página central .Editorial
Palavras para quê?

há quatro anos assumimos publicamente o compromisso de lançar a Revista Litterarius ... pensámos em algo diferente ... e convidámos poetas e prosadores
escrevinhámos textos e guardámo-los nas gavetas da memória
um dia ... quiçá?
habituámo-nos a ser pacientes
a ver nascer o Sol .a colorir as noites com a Lua ... suspensos dissemos adeus a alguns companheiros e abraçámos outros ... fomos abrindo o calendário dos anos com novos Concursos Literários
e os textos guardados nas gavetas foram esperando
houve premiados em 2003 2004 2005 e 2006
belíssimos poemas e contos primorosa mente escritos com diferentes sotaques .não seria justo destacar este ou aquele porque todos foram gerados na mesma matriz - a Língua Portuguesa

chegámos a 2007

dizem que os homens práticos os do "dinheiro" são insensíveis aos ditames literários mas mais uma vez foram os homens ditos práticos que viabilizaram o projecto assumido há quatro anos demonstrando ser possível o abraço entre a Arte e os Números quando a sensibilidade impera .é a linguagem dos Homens cultos

nós sabíamos ... e acreditámos numa parceria que nos une há anos

obrigada à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Bartolomeu de Messines e S. Marcos da Serra
obrigada à Câmara Municipal de Silves
obrigada aos Poetas aos Contadores aos Estetas
obrigada aos Sonhadores
nas vossas mãos o nº 0 da Revista Litterarius um projecto colectivo que pretende tornar se possível mais visível a produção literária escrita em português direccionada para a descoberta de novos valores e novas relações com a Arte
então
palavras para quê?

Prémio Litterarius

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Nota de Rodapé - os pedidos de exemplares deverão ser feitos contra reembolso e directamente a Prémio Litterarius/Racal Clube - valor 10 € - ( portes de correio incluídos )



algumas reflexões sobre cidadania ( acto I )




1. Amanhece
Exactamente na manhã


“Regra absoluta de uma alma livre: nunca aclamar um senhor governante, seja este liberal ou não seja; por maioria de razão, nunca ser tímido dele, não sentir por ele “instintivo respeito”, ou “temor aflito” ante o seu contacto: mas conservar uma atitude ( desprendida ) crítica, ainda que concordemos com a sua obra, ainda que o ajudemos na sua acção.
As almas libertas – as bem nascidas – só se comovem interiormente se inclinam ante as puras grandezas espirituais, quando desacompanhadas de qualquer poder.
Num Marco Aurélio, veneramos a nobreza do filósofo estóico, não veneramos o imperador de Roma”.

- António Sérgio

em Portugal face à passividade geral os homens do poder porque eleitos ditam as suas “leis” e aplicam-nas em nome da representatividade
são venerados como eleitos para – e como se estranharia se não cumprissem essa função – condicionar o comportamento da sociedade .e esta por “instintivo respeito” ou “temor aflito” inevitavel mente esteriotipada e amorfa vai perdendo cada vez mais influência
é então que por artes de magia os eleitos promovem ou patrocinam espectáculos circenses alienatórios das massas ( já de si alienadas ) que impulsiva mente aderem à festa
há no entanto os resistentes
aqueles que embora em minorias – culturais sociais políticas e intelectuais – buscam o essencial marginalizados do complô compulsivo do poder .fazem jus ao seu imaginário cientes de que em momentos de crise são as minorias que tendencial mente invertem os jogos do poder enquanto tal
.já é tempo de a cultura ser considerada na sua dimensão fundamental – não como um somatório de experiências “velhas e inúteis” mas como um modo de estar e de intervir como um ponto de partida e sobretudo como um impulso para uma procura inventiva de novas possibilidades de progresso e desenvolvimento humanos
todavia o trabalho que permite vencer o isolamento a apatia o individualismo o passivismo e fomentar uma atitude criativa e crítica não se concilia com o desejo que anima alguns eleitos de obter resultados rápidos e imediatos
passiva mente continuamos a não interiorizar os nossos valores essenciais a não exigir a preservação dos nossos símbolos suportes presentes da nossa história colectiva logo da nossa identidade como povo
face ao inegável há contudo quem tente resistir encontrando nas palavras de Miguel Torga a justificada fuga ao efémero – “Bem quero, mas não consigo alhear-me da comédia democrática que substituiu a tragédia autocrática no palco do país.
Só nós!
Dá vontade de chorar ver tanta irreflexão. Não aprendemos nenhuma lição política, por mais eloquente que seja.
(…)
Quando temos oportunidade de ser verdadeiramente livres, escravizamo-nos às nossas obsessões. Ninguém aqui entende outra voz que não seja a dos seus humores. É humoralmente que governamos, que legislamos, que elegemos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os níveis da cidadania.
Com oitocentos anos de história, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores da vida.”



a importância da palavra




primeiro mês de um novo ano
com ele uma nova maneira de escrever pequenos textos pensados/escritos em português e apresentados por dois personagens vossos conhecidos mas que a partir de agora não dialogam falam a mesma linguagem apresentam as mesmas ideias mas entre si têm apenas em comum a matriz do nonsense.
e quem são esses dois personagens?
o EU e o MIM claro!
.
.
.

( nós os que escrevemos temos a palavra escrita ou falada que amamos e respeitamos sobremaneira como um grande mistério que não ousamos desvendar com os nossos frios raciocínios .reservamo-la contra todas as intempéries e  contra os que nela não acreditam porque quem escreve pinta ensina e dança .faz milagres todos os dias já que qualquer uma destas experiências é uma aventura que exige coragem e devoção .e no dia em que destruirmos dentro de nós esta noção estamos perdidos )

escrever alivia-a .está de olheiras pela noite não dormida .está cansada mas por um instante feliz .sente-se humilde e é dessa humildade que paradoxal mente vem a sua altivez .surge da certeza obscura da força das suas raízes - terrosas e cheias do húmido vigor - que a fazem uma mulher de escrita madura

queria entender o bastante para ter mais consciência daquilo que não entendia .embora no fundo soubesse que preferia não compreender .compreender constituía o erro de se aprisionar – por isso preferia a largueza livre de não entender
era mau mas tinha-se plenamente livre

o seu prazer é o de abrir as mãos e deixar escorrer sem avareza o vazio-pleno que a sua existência prende .de súbito o sobressalto de pensar
eu sou uma mulher e hei-de ter a coragem de atravessar a porta aberta .dependerá de mim chegar a ser o que real mente quero porque existir é tão completa mente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais do que alguns segundos enlouqueceria .por isso a solução para este “nonsense” que se chama “eu existo” a única solução é não entender porque o Outro pode não ser mais do que a afirmação do meu absurdo existencial

então pensou – não posso ter uma vida mesquinha porque ela não combinaria com o absoluto de viver .pelos minutos de vida por que ia passando, soube que a pessoa deve deixar-se inundar pela vida aos poucos – porque esta é que é a verdadeira aventura

decidiu-se
seguiria a carreira política porque para ela como a palavra é que importa afastar-se-ia silenciosa mente .sem deixar de agradecer a ajuda que havia recebido quando não conseguia mais do que gaguejar de medo



a celebração do silêncio




há dias em que as palavras não se querem soltar
hoje é um desses dias .hoje celebra-se o silêncio cuja natureza condena o acessório muito embora para alguns ele seja também raiz de acção .mas o imperativo abstracto de "algo a cumprir" pode tornar-se em angústia em dualidade numa inquietação insustentável
o silêncio é muito mais sedutor do que a história das palavras e dos actos isolados
Maria sabe-o .a sua aparente solidez o seu olhar cansado o registo taciturno das suas contemplações interiores reservam uma mulher inteira .um ser cuja limpidez esconde o cuidadoso preservar da sua complexidade
nela toda a urgência do Ser
prisioneira das suas sombras o interesse de Maria pelos outros constitui a reconstituição permanente das suas fidelidades primordiais enquanto mulher
o presente .a repetição dramática da sua existência que procura resolver através da acção
as ciladas e as armadilhas da cidade foram-na transfigurando sem a desfigurar
reinicia o tempo de dar vida aos sonhos dos vinte anos e as palavras escritas sobre as tonalidades da vida urbana com que sonhou mais do que depoimentos ou simples repositórios pretendem iluminar o seu pessoal estoicismo silencioso
como muitas outras mulheres Maria sabe que o seu poder de intervenção hoje é extrema mente precário .aliás ela sempre odiou o poder pelo menos o poder enquanto poder .o poder redutor
o seu sonho consiste em fixar uma época .em relatar um tempo de sombras .em fixar uma travessia no círculo apertado do obscurantismo .mas sabe que não pode nem quer alcançá-lo sozinha .daí o seu humanismo eivado de uma forma peculiar de existência - Maria não aceita a dualidade - não entende que todos nós somos máscaras de quando em vez
no seu universo há encontros e desencontros
o retorno ao eterno arbitrário é uma faca de dois gumes e o terrorismo cultural e político onde se move e habita acaba por oferecer-lhe um bilhete para uma viagem sem retorno
Maria olha a direito .fala .à esquerda onde sempre se situou .ao centro .e à direita
como pedra o seu eco permanece sobre a terra e sobre o tempo .entre ela e as suas sombras ergue-se intacta a cumplicidade do que não se perde - a sua capacidade de Ser
mas será que isso lhe basta?
não .e ela sabe-o
nobilita-se num silêncio feminino .e actua

*
amanhã - dia 11 de Fevereiro de 2007 - exorcizará os medos de todas as mulheres
.o SIM da liberdade



"um pedacinho de passado que desaparece"




no seu blogue www.sacodosdesabafos.blogspot.com o meu amigo Manuel Castelo Ramos publicou um belíssimo mas triste texto intitulado “Um pedacinho de passado que desaparece” que pela sua pertinácia originou a presente crónica
desculpa Manuel o uso do título e o abuso da fotografia

durante muitos anos apesar de algumas campanhas em contrário dos apelos e dos trabalhos feitos desde longa data para tomadas de posição nesse sentido muito pouco ou nada se tem feito a fim de preservar defender e valorizar o património cultural
Alexandre Herculano em 1838 com “Monumentos Pátrios” abre a campanha para a defesa do património nacional
todavia apesar desta e de muitas outras intervenções públicas podemos continuar a afirmar como Raul Brandão em 1922 na sua obra “Os Pescadores” – “Mas nós só temos um sistema bem organizado – o da destruição
no final do séc. XIX Fialho de Almeida faz como que o ponto da situação do património nacional .vejamos o que nos diz a esse respeito:
“…Faliram, por exemplo, as oficinas d’ourivesaria, ebenesteria e tapeçaria, que deram a custódia dos Jerónimos, a cruz da Sé do Funchal, os panos murais da Escola de Tavira, os tapetes d’Arraiolos, e as preciosas mobílias e coiros do tempo de D. Manuel I e D. João III. Faliu a Escola de pintura religiosa. Faliu a ciência das construções navais, que lançou ao mar, dos estaleiros do Tejo e de Goa, para a travessia de todas as águas do mundo, as naus, galeões e bergantins do séc. XV, XVI e XVII, tão maravilhosos d’ elegância e d’arquitectura, tão imponentes como máquinas de guerra, e tão idealmente artísticos como veículos de prazer… E desta última aptidão perdida, ou quasi perdida, nem sequer os nossos arsenais e museus guardam vestígios! Não há um livro que guarde essa grandiosa escola de construtores navais que eram ao mesmo tempo, escultores e marinheiros…
como se tem constatado a destruição e o abandono têm sido entre nós uma característica dominante
.deixa-se arruinar por completo para a seguir adulterarmos
.apenas um ou outro trabalho se tem concretizado mas sem grande significado para a cultura do povo ou porque é de fachada e portanto não representativo de valores culturais ou isolado não garantindo continuidade
infelizmente os valores culturais que concretizam e fundamentam a identidade de uma cidade continuam votados ao abandono
a paisagem natural e os nossos valores arquitectónicos têm sofrido sistematica mente os efeitos do vandalismo da ignorância e do mau gosto que só contempla o narcisismo dos maus políticos e destrói o bem estar e o equilíbrio das populações justificados por um pseudo-progresso ou políticas demagógicas de representatividade sem pareceres análises e estudos prévios não manipulados escamoteados ou guardados em gavetas porque social e/ou politica mente inconvenientes
deitam-se abaixo e mutilam-se edifícios ( sem o mínimo respeito pelos direitos patrimoniais e bom senso ) ou conjuntos de edifícios sem a mínima preocupação de preservar as características e/ou envolvências arquitectónicas afectadas pelas leis do novo riquismo político-intelectual
o analfabetismo que entre nós atingiu taxas elevadas também contribuiu e muito para a actual situação
o associativismo ultima mente vocacionado para outras demandas pouco ou nada tem feito para que mais não seja alertar e consciencializar as populações na defesa e preservação dos seus direitos inalienáveis
só um trabalho cuidado permitirá apresentar os valores que concretizam e valorizam uma região uma cidade vila ou aldeia .para a realização de tão difícil tarefa é necessária a participação activa da população a fim de suprir as lacunas deixadas pelo número reduzido de documentos escritos e iconográficos
no que a Silves concerne urge proceder ao levantamento e estudo continuados do património histórico-arquitectónico-documental porque os agentes destruidores avançam de forma acelerada
e se olharmos para todo o Portugal verificamos que os bairros de cimento armado são iguais no norte centro e sul quando ainda não há muitos anos a paisagem arquitectónica variava conforme a região enquadrando-se maravilhosa mente no meio ambiente local
sem fundamentalismos verificamos infeliz mente que os agentes destruidores repartem entre si a mutilação da paisagem tradicional
para dar uma resposta adequada a esta situação que empobrece e descaracteriza as regiões e as cidades é necessário colocar à disposição das populações informações honestas e completas planos gerais e de pormenor instrumentos críticos e de estudo que facilitem a tomada de consciência dos seus valores patrimoniais e culturais em ordem à defesa conservação e valorização dos mesmos e ao mesmo tempo levá-las a analisar respeitar e preservar o seu passado histórico-cultural a fim de permitir a descoberta e reencontro da sua identidade cultural
acções individuais por muito consertadas levarão apenas ao cansaço e à exaustão .são lutas inglórias face ao demagogismo ignorância prepotência e falta de respeito pela unidade na diversidade
não poderemos deixar perder a identidade de um povo de uma região ou de uma cidade porque a História um dia responsabilizar-nos-á pela passividade de hoje



"Um Conto Com Muitas Estórias"




na passada quarta-feira dia 8 de Março decorreu ,na Sala Polivalente da Casa Museu João de Deus em São Bartolomeu de Messines o lançamento do livro “Um Conto Com Muitas Estórias” escrito por Glória Maria Marreiros e pelos Alunos do 1º Ciclo do Jardim-Escola João de Deus de São Bartolomeu de Messines
foi um momento muito terno e especial como deveriam ser todas as apresentações
Glória Maria Marreiros a avó-escritora Carla Antunes a delegada pedagógica do 1º ciclo do Jardim-Escola António Ponces de Carvalho bisneto de João de Deus José Paulo Sousa em representação da direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de São Bartolomeu de Messines e São Marcos da Serra entidade patrocinadora da obra Rogério Pinto vice-presidente da Câmara Municipal de Silves a quem coube a responsabilidade da edição e porque os últimos são os primeiros os meninos do Jardim-Escola autores e ilustradores revelaram-nos a magia dum projecto enchendo por completo a sala onde decorreu o evento
Um Conto Com Muitas Estórias” é antes do mais um olhar emocionado e cúmplice de uma avó – Glória Maria Marreiros – que por acaso é escritora e os Meninos deste Jardim Escola .e essa cumplicidade recria-se capítulo a capítulo no imaginário que interliga as estórias que vão aparecendo em paralelo à estória principal
a realidade ficciona-se e os personagens desdobram-se .os autores passam a personagens e estes surgem ora num contexto real ora ficionado
é o triunfo da oralidade
mas ao contrário do que afirmam alguns dificil mente e para mim é aqui que reside a grande mestria deste conto se descobre onde termina o mundo do faz de conta infantil para iniciar a “fábula” do adulto(?) de Glória Maria Marreiros .a co-autora “desce” e/ou entra neste jogo do-faz-de-conta sem se aperceber da genialidade que tal acção exige deixando aos autores – será que o consente? - a difícil tarefa de comandar o jogo
confesso que percorri atenta mente cada capítulo do livro sempre à espera de uma “escorregadela” literária mas a consistência rítmica surpreende-nos em cada frase em cada página no texto e nas ilustrações
esquematica mente analisado o livro de 58 páginas ilustradas contém duas estórias de certo modo independentes: uma a relatada pela Autora/ Co-Autora .a outra a reinventada pelos Co-Autores/Autores .a estas duas estórias correspondem igual mente vários personagens de natureza fabulosa e fantástica que vão surgindo ao longo da narrativa
e a relação estabelecida entre as duas “estórias” constitui a evidência e o significado último do conto .trata-se de um confronto uma contraposição entre duas lógicas,entre duas “leis” – do adulto e da infância .mas como dizia em parágrafo anterior onde começa uma e termina a outra? no imaginário amigo e cúmplice? na sensibilidade revelada? na linguagem comovente mente infantil? no tempo prescindível dos diálogos? nos passos que nunca nos são revelados porque neles reside a utopia?
Um Conto Com Muitas Estórias” veste a magia que procuramos e que ainda somos capazes de encontrar a inocência das crianças esse seu mundo fabuloso ainda não adulterado e exige aquela leitura calma e serena que só uma Criança de qualquer idade é capaz de criar

não comete ao Conto dizer isto
como também não lhe cometem os porquês ou as minhas certezas

ao patrocinar “Um Conto Com Muitas Estórias” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de São Bartolomeu de Messines e São Marcos da Serra viabilizou o triunfo do visionarismo sobre o obscurantismo e das parcerias sobre o individualismo
demonstrou que os sonhos valem a pena e que os sacrifícios nunca são em vão

estou certa pela magia do conto e vivida na passada quarta-feira ,na Casa Museu João de Deus que o desafio assumido em 2005 por Glória Maria Marreiros e pelos Alunos do 1º Ciclo do Jardim-Escola João de Deus de São Bartolomeu de Messines será no futuro recolhido por outros meninos e outra avó-escritora e uma nova Dona Bibita continuará algures a dançar ao ritmo dos sonhos dos Homens 



sentimo-nos mal




em 1980 Marc Guillaume escrevia -"Não é possível resistir à política do património. ela propõe um mundo hiper-funcional, espaços de diversão que captam demasiado facilmente todas as nossas tristezas e nostalgias. mas do passado apenas retém fantasmas.
de qualquer modo, o essencial não é, apenas a conservação do material e do visível. o que torna o quotidiano ainda habitável e poético são as artes inumeráveis e secretas da memória e do esquecimento."
tornar os espaços habitáveis e significantes .procurar raízes duma identidade individual e colectiva ,posta em crise pelo forte crescimento geográfico e profissional .compensar a destruição que acompanha o processo de desenvolvimento industrial .inverter as imagens do efémero próprias da sua forma de consumo - eis alguns dos motivos que devem justificar os movimentos - de defesa do património - aparentemente frágeis .movimentos que utilizam o passado como operador social ,insinuando a importância de uma memória colectiva [ não mercantizável ] em relação a uma memória individual [ mercantilizada ].
aparente mente as questões do património parecem despertar atitudes consensuais apoiando-se em valores estéticos e artísticos apresentados como isolados dos valores políticos numa discriminação que tornaria a questão do passado neutra no presente ,o que não é verdade.
foi Almada quem disse que "ser moderno é descobrir o antigo " e Sanguinetti escreve mesmo "como se fosse possível propagar ideias de amanhã sem que sejam também de hoje. o homem moderno é um homem para quem o passado conta como passado ,portanto ,irrepetível ,ou ,se repetível ,só para ser superado."
património defesa de património - conservação de lugares ( objectos ) seleccionados ,consagração de um passado ,homogeneização de memória .homogeneização de um território e duma historicidade temporal.
bem diferentes se desenham as coordenadas dos tempos do nosso tempo .fábricas indústrias desenvolvimento e produção
hoje o tempo já não é circular mas rectilíneo pontual segmentado por relógios cronómetros pontos .é um tempo linear irreversível
tempo do imperfeito do indicativo - como afirmava Proust - por entre o tempo irreversível confortantemente passivo o efémero ataca não só o futuro mas também o que passou dando origem a novos narcisismos - privilegiando o aqui e o agora contra a memória e consequente mente contra o futuro
alargam-se então os conceitos do tempo ?engano!
todavia importará não calar as diferenças sabendo que cada relação de poder corresponde a um novo calendário .não nos esqueçamos do tempo do uso e do ritmo de vida .quando seleccionamos um passado há que lembrar que o mesmo processo poderá ser aplicado numa historicidade do irreversível ao futuro
defender o património poderá ainda ser uma consagração de rupturas ou um sinal de resistência um apego a uma identidade entre o antes e o depois um pretexto de afirmação das diferenças que se pretendem esmagar ou apenas atenuar
em Silves são vivos exemplos deste tempo híbrido silenciador e passivista uma certa marginalidade urbana .por isso também nos diz respeito a importância da selecção dos lugares dos objectos e dos sistemas pois nessa posição sobre o passado está um projecto [ ou uma ausência dele ] de futuro
património passado presente e futuro - sentimo-nos mal no nosso próprio tempo e espaço .temos ,pelo menos ,o direito a transformá-los

utilizei ao longo deste texto várias citações integradas num discurso sem as referir ou situar
.enquadrei-as num texto meu
acredito que ler atenta mente e reflectir em também são formas de criar um texto
.ao identificar-se comigo e com todas as afirmações precedentes qualquer leitor poderia tê-las criado
.logo o texto precedente tanto é meu como vosso



"Polis" - a perene dialéctica entre o sim e o não




numa conferência de imprensa sobre a crise da humanidade europeia e a filosofia proferida em Viena em Maio de 1935 já Husserl defendia que "o fenómeno original que caracteriza a Europa ,do ponto de vista do espírito ,é o aparecimento da Filosofia enquanto ciência universal ,ciência da totalidade do mundo ,da única totalidade que engloba tudo aquilo que existe"
.esta afirmação de Husserl constituiu recente mente tema para conversa dum grupo de amigos .e não foi por mero acaso que a dado passo me senti presa às palavras de JCA não para especial mente destacar o papel que a Filosofia tem desempenhado - matéria em que me não sinto abalizada - mas para sublinhar o facto da Europa mais do que o aleatório resultado de transformações económicas e políticas sempre ter vivido da adopção de um conjunto de valores que a abrem para o mundo a tem fascinado perante o que é diverso e lhe dá por horizonte a noção própria do todo
.esta noção de que a Europa não assumirá o seu rosto específico enquanto a perturba o fanatismo é o bem mais precioso e que hoje terá de ser partilhado por todos os que acreditam na necessidade de consolidação de uma Europa una na especificidade e diversidade de cada Estado
.se estamos destinados a ser alguma coisa então teremos de ser capazes de realizar mais do que uma mera comunidade económica ou uma simples união política
.teremos fundamental mente de compreender que a Cultura quando fechada em si mesma é a forma que mais se aparenta com a morte
.para o evitar há que harmonizar o circunstancial e o eterno mas isso só se tornará possível quando em todos os Estados se esbater a vertente individualista e neles se reconhecer o desejo universal de um mundo em paz consigo mesmo
.estas considerações admitidas num contexto europeu logo generalizante - e tema de uma conversa de amigos tida algures - aplicam-se igual mente ao micro-cosmos chamado Portugal e mais concreta mente a Silves a nível da sua comunidade
.ou seja só será possível harmonizar o circunstancial e o eterno excluindo o banal e o supérfluo quando se esbater a vertente populista e se reconhecer como verdadeiro o desejo do homem enquanto ser gregário e não apenas social de paz consigo mesmo
.só então é possível viver em comunidade e perceber a comunidade
.processos em que no mero acto de projectar e governar - como aprendizagem - a permanência e a ruptura são comportamentos/conhecimentos complementares e autónomos que na consolidação da integridade significam a revelação de um lugar - Silves - contra a indiferença desse mesmo lugar
.caminho árduo em que a itinerância da razão entre o circunstancial e o estrutural envolve um sistema de dialécticas múltiplas - o permanente e o novo o universal e o particular o erudito e o popular o bom e o mau gosto o bom e o mau senso e as formas e os padrões seus referentes
.deixemo-nos de metáforas .falemos das obras do "Pólis" por exemplo em Silves e em Guimarães
.Guimarães ou a superação dos limites da ordem historicista .a atitude do novo que se configurou na beleza e oportunidade onde a concepção das obras se manifestou como um princípio e uma "praxis" entre a expressão das novas técnicas e a ordem interna que a própria cidade berço caso a caso pré-estabelecia oposta total mente à complexidade aos esquemas e às soluções propostas para Silves
.e assim Guimarães aparece-nos como um universo de experiências heterogéneas como um legado de modernidade de bom senso e bom gosto que mantém o seu fluxo sedutor o seu poder de entrega a sua capacidade de insinuar e de resolver a compreensão intensa da cidade
.Guimarães ou a emoção da visualização .a beleza
.Silves a tristeza da ausência
.é do facto de "não vermos" ou de "não merecermos ver" que nasce a melancolia cultural
.ela já o escrevi num outro tempo e neste mesmo jornal existe e não pode ser vencida através da miragem de espelhos alheios .é um assunto de cada um de nós
.quando resolvido o resto ser-nos-á dado por acréscimo