afirmo a negação





josé rodrigues





*
cansado do descompasso que
reveste as tardes púberes o poeta repousa
a cabeça e circunscreve-se
a uma identidade onde se sabe obrigado à
baga
*
não há poeta que não escreva

*
- a escrita é a sua forma de SER-em

*
entre o escrever e o cogitar estabelece-se um fio
condutor igual ao que irmana o essencial e o formal
*
é possível conceber um poeta despido de pensar?

é possível imaginar uma escrita fora do verbo?

não
.a exegese concede ao poeta uma identidade e um
direito

*
ser poeta é cumprir a Ausência



é necessário escrever o que penso





josé rodrigues





*
agora sou eu que escrevo com uma folha
branca na mão e um cravo encarnado
sobre a secretária

*
- és tu que falas

dizem-me
como se fosse necessário
*
não fora o som dos disparos não disparados
teria quase a certeza
que a história é um hipotético ponto
de coincidência entre o casuístico e o imprevisto
*
-livre arbítrio
*
dirão os senhores dos manuais aos quais disponho
a minha desagradada falta de vontade
pelo formal num
estado de permanente esquizofrenia de que me
desassocio não vá o diabo tecê-las
*
um ruído contínuo torna-se cada vez mais nítido
e a deslocação dos corpos provoca no meu
campo visual um atrofismo de sentidos
*
- emparveci

disfarçada num claustro de inverosímeis verdades
dos senhores da selva que
convictos dos seus super-EUSfalam uma
linguagem muda
*
- o povo -

entregue à mutação errática do Ser
torna-se um número finito que
vai consentindo o
roubo das utopias

qual o rebanho caído na terra
e

-sabendo porquê

adoça o ninho de víboras que alimenta
a desumanização

*
não contem comigo .demiti o silêncio



é tão difícil dizer não





josé rodrigues





*
o paradoxo tomou forma de cruzeiro e
fez-se ao largo
*
devagar um muro de escuridão ergueu-se

entre os mortais

*
sem afrontas as mãos distenderam-se num
a-braço
como se pela primeira vez os homens tivessem

utilizado a mesma linguagem gestual

*
as cinzas consumiram-se

e um ligeiro gosto a maresia vestiu o luar
que se antevia entre as nuvens naufragadas

pelos andaimes de uma muda litania

*

o medo tornou-se  voz

*
ninguém ousou confrontá-lo com os tumultos
que aos poucos foram cerceando os pingos do

con-texto

*
o paradoxo voltou a assumir a ordem
*
ninguém ousou assombrar-se com o
desalento

*
eximem-se dos loucos os pergaminhos