este é um canto gerado ao arrepio de mim





josé rodrigues





*
estendo a minha mão e espero que a tua
se cruze com ela como se fôssemos dois

braços abertos de uma mesma tesoura que
corta o caminho de regresso
onde me vejo forçada a ser ora tu ora eu
numa falácia que só a nós respeita
*
teimo em teclar-te e tu insistes no hábito de
avisar-me da fuga dos cristais como arma de
arremesso
*
sabes que as garças paridas ao arrepio dos
deuses operam um péssimo
sortimento

*
escreves-me
tatuas-me

*
vomito-te



resguardo o segredo dos deuses





lambis stratoudakis




*
fala baixo .não açoites o cutelo .o tempo é de
névoa dum adeus de-agora
*
lisura in.delicada de quedar o res.guardo

*
fala baixo .não re.acendas o fogo .o tempo é de
morada virtual onde o quotidiano apela

a esmo

*
fala baixo .o tempo é de delongas não de esperas
.restolho de lavoura onde o engenho aquece



a loucura persegue-nos até ao fim





josé rodrigues





*
após o primeiro embate em que o coração
prevalece a razão retoma o fio condutor das horas
*
tudo regressa ao ritmo normal
*
as árvores voltam a ocupar o seu lugar e os barcos
entregues às viagens
caminham para dentro do ciclo da vida
*
é necessário riscar a preto nas paredes brancas
e se a loucura povoar o retorno
deixar que as profecias da cor alastrem pelas cidades
*
de norte a sul há novos mendigos que
carregam consigo a tristeza do lugar comum e na
boca silenciam o sol como se os
profetas lhes permitissem ser o acorde
dissonante do Rigoletto de Verdi
*
curvados atravessam campos
*
deixam a mesa posta como túmulo
*
caminham devagar
*
soltam na sua passagem um rasto de tédio e
sem a ternura de um a-braço rasgam a tristeza com
as feridas do esquecimento
*
os novos mendigos do meu país trazem no
rosto um velho rictus

*
cheiram a Yves Saint Laurent



acordo devagar no ombrear do sonho





josé rodrigues






*
levanto-me devagar e deixo os pés
sobre as águas que demoram o acordar
*
deixo-me pestanejar enquanto as vozes
se assenhoram do meu ir devagar
*
demoro o segundo onde tudo se
inicia e quando a tarde chega deixo-a
repousar no meu colo
*
permaneço queda e o pensamento
percorre-me em sequências
como evidências do tempo onde
as imagens se projectam

*
junto-as à chegada da noite e após um
liquefeito abandono deposito-as na leve
carícia do meu a dorm'Ser

acordada