tributo a Artur Piazzolla





-emily evelet




*
um dia alguém escreverá sobre um muro
uma partitura com o mar ao fundo como se
a mesma ousasse a ausência e
a cobrisse de pássaros esconsos
*
alguém ousará
rasgar o silêncio álacre e com ele
tecer os primeiros com.passos  da dança
assumida
no desassossego dos corpos

ávidos 
*
entre as sombras da
noite e o colapso do dia os acordes serão o
alimento (con)sentido ao tango e
um devasso sorriso rasgará as memórias
( sem abrigo )
concebidas pelos corpos que enlaçados

se dissipam



tango





-ksenija spanec




*
as mãos do homem
sobeja
mente
magro avançam e
fecham-se
.um trejeito canalha afivela-se-lhe ao rosto
.um afecto in.usitado veste a mulher
concebida até às raízes
o rodopio da dança remete-os
devagar
à sensualidade do momento
*
a criação
*
o homem percorre a mulher com
os dedos arvorados de estrelas e
retém-se na respiração quente que
os passos ceifam
em ardor ao bater
 *
a dança
*
os corpos vergam-se
no sentido do coração das coisas
perfeitas
agitam-se ao compasso e
as pontas dos pés distendem-se num encontro
.os corpos vibram
os acordes intensificam-se no
estremecimento precoce do acordeão
 *
perfeito
*
a mulher vacila
o homem murmura
 *
soltos numa intimidade absoluta e

sem rodeios
 *
há um pássaro que se move e 
que se apaga
voa ao encontro dos corpos
pousa sobre a cabeça da mulher
desce para o ombro
*
as mãos do homem abrem-se ao
ritmo brusco dos dedos e
perdem-se

arvorados pelo cansaço



quando tudo se rasga num encolher de ombros





-tommy ingberg




*
a lascívia por onde o luar se a.forma
corre na beira-mar convulsiva dos a.braços e

o poema sem limite ou hora cai sobre a espada líquida
das coisas que se rasgam



a ti ,ancião das almas





-duy huynh




*
mea culpa
mea maxima culpa

*
uma memória apagada na i.mobilidade

desfaz-se em
água
ao ritmo merencório do
desapego



é precisar entender a voz do silêncio








*
o espectáculo acabou

*
a cadeira está vazia
a voz silencia-se e o pano
desce
apesar de
no poscénio
uma mulher vestida de preto
insistir na encenação da farsa

*
perdão
os projectores desligaram-se



Arade – um corpo aberto à Poesia





-kamil vojnar




*
a minha cidade tem um rio
onde as tardes namoram o cais

*
*
*
o rio da minha cidade
canta o levante em versos de Al-Mutamid e
o crescente esmorece em crepúsculo
enfeitiçado por Ibn Ammar
*
[ há ecos de lirismo febril no
                                          rio da minha cidade ]
*
o rio da minha cidade matiza desejos
quando as donzelas enfeitadas
com subtis adornos dançam ao som dos
alaúdes e os seus corpos descansam
no prazer de um olhar fugidio
*
[ o rio da minha cidade rememora Allah e
                                        Al-Xaradjib ]
*
nas margens do rio da minha cidade
os Amantes bebem o néctar da bravura
mas gráceis e sedutores colhem em
versos os frutos ambivalentes do amor

*
[ o rio da minha cidade ainda hoje

                                       é um eco aberto à Poesia]



os poetas i.mortais





-nathalie picoulet





                                      *
                            os poetas

esses velhos navegantes
embarcados em navios de lata
não sabem de onde vêm nem
para onde vão

*
são corsários
chulos
proxenetas
rufiões
canalhas

*
à noite fazem amor com a Poesia e
de manhã vomitam
o riso
dos deuses
                                       *
                             imortais                                                              



os poetas





-jim warren




*
os poetas
quais vagamundos de
memórias voláteis
prendem-se nas madrugadas
                                    antes de avir
                                   
                                    outros poetas
                                    *
                                    os poetas
guardam-se nos papéis com que
cobrem o chão
onde não há longe ou perto
             *
              espreitam  movem-se  apagam
                                      cicatrizes
                  no rubor de afectos in.acabados
                                     *
                                     os poetas
*
esses traços repetidos do antes e do depois
têm-se prenhes
na saliva das camas aquecidas
a desoras
                                           
                                      *
                                      os poetas 
                   cravam as unhas ávidas de sangue
                               



tela





-faiza mahgni




*
sei que não és o branco
da ave que há na minha tela
*
perde o jardim o verde
rasga o castanho a terra
*
há um secreto delírio feito para ti
pássaro azul

                             *
                             *
                             *

escusa    
            
             o poeta pintor        
                            sou eu



rescaldo de um dia com chuva nos cotovelos





-luigi benedetti




*
na vadiagem das
palavras deixo um rasgo de saliva e
sangue
*
irmã da serpente que corre para a estrada
entrego-me ao vibrattoque me simboliza

*
em final de acto
retiro a máscara de menina bem comportada
subo as escadas
abro a porta e
deito a língua de fora

*
penso nesta Mulher que se ri
das sebentas bentas pelos mestres de cartilha e
aos tramoucos alapa uma voz que
os fazedores de opinião jamais entenderão
*
não sei se o seu
corpo é água fogo ou uma cantata onde
se esconde mas
sei que guarda como símbolo tatuado
uma conjugação mais do que
(im)perfeita

*

-eu disse obrigada .eu sei que disse!



Auschvitz





-françois joseph armand.




*
ontem
Auschvitz foi uma cama ao fundo de um pesadelo
um bosque revestido de memórias
fu.gazes
onde os anais se inscreveram em gestos
in.sanos

*
hoje
o luto retalha a imolação



Faixa de Gaza .a estultícia do homem





-gergely komoz.




*
será possível inverter o decurso da demência?
destecê-la como se um emaranhado de moléculas
balouçasse à deriva?
delírio - apregoam os analistas
*
a História torna-se um buraco
de onde saem figuras informes
prontas
a oprimir os derradeiros resquícios da humanidade
*
é im.possível deter o corrimento fluído dos homens que
se volatizam em sangue
bruto
opaco
seco
na barbárie de um compromisso fratricida
*
.a morte alastra-se
absurda
*
.ninguém é inocente
.ninguém
*
.os abutres do nada sobrevoam os campos
prontos a plantar obuses e
o ódio
floresce a apocalíptica infâmia onde se apagam os passos
a areia transformada em escamas de fogo ou
pedaços de gente traduzida em
alvos

*
tudo se reduz ao silêncio agonizante

*
à estultícia do HOMEM

                                  predador



à imagem de deus





-olga domanova.




*
desce o pano
um actor em sala cheia
recebe as palmas em ritmo acelerado
*
bravíssimo
*
no passeio em frente um homem agoniza
in.consciente
no frio ataviado da fome
*
os fantasmas da ópera riem
agradecem
conversam
atropelam
incham os egos

*
a morte

 in.digente

in.comoda