talvez amanhã se oiça o grito dos insectos





-carla bendini




*
sob o signo do demo inicia-se
a dança como se a copulação fosse
o arremedo final para o cômputo das
circunferências .rasgam-se as vísceras de
uma ovulação menor em que o falo transgride
o epicentro como se para além de si o gesto áspero
transferisse o canto das Sibilas adormecidas na castidade
dos áugures .recortam-se os símbolos nas margens expostas
onde as palavras se inserem nas metástases dos vermes e tudo não
é mais do que uma superfície de gelo alapada a uma vela acesa deixada
dentro do corpo de um vulgar insecto

*
os Seres (in)vertebrados afogam-se sozinhos na voz dos mendigos



des.necessária a última pétala de ternura





-evert thielen.




*
sobejam restos no sobressalto dos sonos
deixados sobre as almofadas .alguém se esqueceu
de os embrulhar e o alvoroço das  nuvens cativas no
Outono da vida colocou dentro da ternura um pouco mais de
açúcar como se o mesmo fosse necessário para fazer correr rios de
tinta nos dedos onde os poemas se inserem .híbridos .há na letargia do
verso a capitulação maior e o poeta vestido de branco e negro deixou inscritas
na sombra as mãos abertas à alva madrugada
*
carecem de espanto as evidências dos ósculos



poetar não é coisa assim tão fácil





-jeannette woitzik




*
é tão difícil interpretar a voz do vento
deixá-lo perdido na metafísica de um pássaro
que se levanta sobre a superfície da mesa para nela
verter símbolos concêntricos quais hipérboles desenhadas
ao desbarato .do pássaro restam alguns sinais de vida que sobem
e descem ao fim do dia num poema escrito com muitas nódoas negras 
e o ranho exigidos pelo en tarde'Ser do estro .estafam-se todas as hipóteses e
no fulgor do ritmo o poeta pega na vassoura da escrita e com dedos de vagamundo

expurga as estrofes da canzoada


dêem a voz ao poeta





-daria endressen




*
dêem ao poeta um minuto para que possa
transformar a fadiga e a fome no sobressalto dos
deuses em perfeita subversão .dêem-lhe também um misto
de tristeza e solidão e ele transforma-las-á num canto maior com
o cheiro a mar onde os barcos se acoitam no en tarde'Ser das horas mortas
porque qual peregrino de sonhos pervertidos pela visão ( exangue ) das marés
mergulhará no relevo bravio dos poentes

por dentro da liberdade de ser voz



murmúrios vadios cuspidos no tempo





-joanna chrobak




*
se meu fado se gosta em azul meu brado
de cio se tece em amarelo .um rasgo
de sim .um limite ou zero
no conflito de ontem
porque amanhã
é tarde



se me fosse con.cedida a alegria de voar





-jake baddeley




*
sob os meus dedos-água estremecem
conflitos incêndios paisagens jogos falas
que voam ao ritmo absurdo de um encontro
há muito predito .deslizam céleres os corpos que
deles emanam ao encontro do amor inventado em itá-
lico enquanto uma linha de espuma se atreve predizendo
o nascimento do verso concebido na ferocidade suspensa de
um poeta//pintor .em mim toldam-se os ritmos na violência crescente
de quem se despe de ruídos e no café gelado esconde uma alegria errada
.uma paixão que vibra .uma vertigem que se entredevora na clivagem absurda
de um voltar de página



regresso a mim





-georges de feure




*
consinto a minha ausência como
a negação possível para a invocação do
absurdo .atenho-me na gnose e do divino
coloco a capa para a largar no momento seguinte
ao parto .dobro-me sobre o ventre  e deixo um resto de
sombras no asfalto ( enquanto ) os demónios sustentam o
equilíbrio passível de re.organização .lasciva deixo-me envolver
no sangue dos que me têm em in.solvência .não partilho .ausento-me
*
sou de mim o asco final



os poetas rasgam-se des.crentes





-alfred cheney johnston




*
prosaicos e im.previdentes são os poetas
comem bebem cospem vomitam e
dormem sobre os dilates de
uma escrita que lhes en-
torpece o intento

*
vulneráveis
talantes da imagística



que desígnios se elevam nas folhas de excel?





-alfred cheney johnston




*
a respiração suspensa segundo o mistério
do pensamento exige a superação do segredo
das Tágides envoltas na genialidade de um gesto
que apesar de híbrido se confunde na consagração do
bezerro de ouro .pressuposta a sujeição - porque tudo é dei-
xado ao acaso - a voz que se perpetua no deserto dos crentes é o
resquício do fogo que há muito se apagou .restam as cinzas ou algo
muito mais simples que os serviçais equiparam às equações matemáticas
como se as variáveis se transformassem em pressupostos exigíveis ao entendi-
mento .do bezerro de ouro restam os cornos como pontas grifadas do selo divino   

*
nos sacros versículos flutuam as carpas



de água cinzenta se espargem as liturgias*





-alfred cheney johnston




*
prendo-te ó salmo na iluminura do texto que as Escrituras inscrevem
nos jardins do Éden quando Eva subscrita ao mistério
do macho exibe-se no segredo do falo

*
Adão
- à imagem e semelhança divina -
a.doura o próprio génio






_______________________________________

* [ "....o retrato de uma "estrela" doutros tempos para uma "estrela" de hoje em dia ..." ( lembras-te? ) ]



um agrave de memória na ponta dos dedos





-wilhelm galhof




*
sublime ironia a dos deuses que dos meus textos
copiam a sintaxe deixando a morfologia para
depois .depois esquecem-se de amorar os
sintagmas que prontos a golpear ousam-
-se cansados nas amuradas .dos navios
onde de profundis o Outono colhe
as trevas prontas
a ante-ver

poemas em grito e desova



um acordar de mansinho





-nathalie picoulet




*
sento-me sobre a cama e espero
que um copo de água mate a sede do teu
corpo//lança .uma vela apagada arde sobre
o mutismo dos dias e faz-me companhia o vento
que bate na janela do quarto .os símbolos de um amor
vadio deixam sinais no meu corpo que se abre ao abandono
como uma variação possível do estio que tarda já que a metafísica
dos minutos se enquadra  como nódoa no sono que me deixou há pouco
.abro-me ao trilho das tuas mãos para qual pêssego maduro recortar-me na

senda do desalinho onde o poema se escreve como prenúncio de novas alvoradas



i-





-margarita dyakovich















ii - se de nós se cansar o fado



voltar às origens





-luigi benedetti




*
escrevo para te apagar para
voltar – de seguida- a tropeçar em ti

*
estúpida
a minha obsessão pelo erro



das possíveis variações até ao canto final





-gergely komoz.




*
o tempo
da vadiagem esquece-se em cómodas indo-europeias e do claustro de um
quarto aberto a sul sobressai a memória de dois seres pintados num lenço
esquecido sobre um piano de cauda

*
Mähler queda-se num labirinto de sacras memórias



lex dura lex





-victor muller



*
no lugar onde outrora se ins.creveu um
laudo  ( hoje)  medram silvas e escondem-se
serpentes

lascivas
para que a glosa o enredo e a apostilha
quais apátridas
se demorem no con.sentimento
*
sente-se
um pardo sobressalto

concebido em ritmo adverso



um poema escrito sobre a água





-benoit paille.




*
há dias em que durmo sobre uma enxerga co
mo se um rol de andarilhos tivesse deixado num
vão de escada os andrajos do vagamundo

*
os vizinhos do prédio onde Amadeus Mozart
escreveu “Idomeneo”
conhecem-me os passos o
vestuário sujo as
mãos cobertas por luvas esbulhadas
*
sirvo aos transeuntes um naco de pão onde o bolor
se alapa para em troca receber uma nuvem 
carregada de chuva
*
não sei que mão devo estender ( porque )
reservo pendurado à esquerda um
saco rasgado por onde o argaço escorre
deixando para trás um oceano aberto
à genialidade

*
levanto a gola do sobretudo onde se acolhem
as pernas e visto-me de
sombras para
mergulhar faminto no repasto do chiste

*
a vida não é uma instalação de arte



ao encontro das memórias





-oleg omelchenko





*
não sei se a tarde começa ou se acaba aqui

*
quando ao dar voz ao argaço
me perco em ínsulas balouçantes
entre vaias uivos e curvas .no alvoroço
que me é néctar para esquivas memórias
*
suspendo o levantar de âncora
*
vadiagem permissiva que em festa desfaz
a nostalgia dos baldios e neles soletra a
vocalização dos nomes sem guarida
*
o regresso é um fosso e a música deixada
lá atrás o embaraço de quem deve
mudar de rumo .assim a órbita .assim o voo

do falcão
previsível no seu contrário



con.sinto ao leitor o fim do texto





-gergely komoz




*
precipitam-se os rios pelas en.costas
onde a ironia toma lugar de prima-dona
-é bem feito! –
grita-me do outro lado da página Sancho
quando do alto das estrelas lanço
a Dulcineia lastros de velas curtidas
pelo assombramento
*
-ah se os moinhos falassem
ou se pudesse montar corcéis de vento
*
levantar-me-ia do chão
pegaria nos meus despojos e talvez
desistisse de cavar quimeras sob as ruínas
das casas em periclitante equilíbrio
*
talvez me lançasse sobre as marcas onde
o futuro se de.marca e
certa de que as minhas mãos cresceriam
na real aproximação do teu afastamento
talvez desistisse de cavar diferenças entre
a im.paciência inicial e o fim da história
*
-aqui estou eu ,senhor!
*
em vénia
abrirei a porta e
buscarei esse lugar irónico onde as
folhas se dobram
aberta qual gineceu que pulsa
( aceso ou apagado )
entre os homónimos

*
arquivo o livro



nota de rodapé





-anil akkus




*
volta-se
como se esse gesto iniciático
o reporte à escrita
esquecido do facto de estar tão
cego que não se apercebe
das sombras que o
perturbam
*
coloca-as entre os
pés em forma
de asas qual
borboleta
igual
mente
cega
*
[ entre ambos a elipse ]
*
elíptica é
a queda tão certa quanto
o ventre
           ao qual se recolhe
           no ponto cruzado
de si
quando as pernas
se alongam para

entrar

no livro e
colar-se à página transformado

em nota de rodapé



breve.mente





-aleci




*
sinto a brevidade do tempo
no teu corpo-mar
*
uma fonte .o vento .o poço
*

tão pouco de a-mar 



é de tarde que a morte se faz sentir





-anke merzbach




*
nas noites que ainda deixam rastos de nós
apresso-me a omissões

*
a não consentir que as águas sejam lastros
que desaguam no mar do meu a-mar

*
sento-me
frente à cadência ritmada de
um relógio de parede e
não penso em nada
enquanto o frio
assenta ritmos breves

*
rego o venério nesta outra forma de
ocupar as horas



olá-olá





-grant wood




                      *
                      o homem traça um risco sobre a tela

*
a mulher de vermelho//preto desce a rua
sorri ao traço
ao ponto
à justa medida
.pára
deita fora o cigarro
bebe a noite

*
o homem verte-se no voo do falcão
a mulher concebe o homem
*
olá-olá
*
um encontro
um ponto de sol pequeno
diminuto
            um acaso
                        no ocaso



deixo-te a clivagem por herança





-benoit paille




*
delírio de deuses
*
vagamundagem de logros
onde o princípio se estabelece 

*
cito-te agora para
te apagar depois no cigarro esquecido
sobre a folha de papel



escrevo e apago-te num corpo-água





-andrei remnev




*
in.definida esta forma de a-mar
onde um braço de rio se prolonga

*
sabe-me a in.finito esta respiração
que cresce como arbusto 
frente à janela do quarto onde
me resguardo

*
conquisto-te hoje para te esquecer
a.manhã num movimento lento
já que a tua presença se inscreve no que
engendro

*
aventuro-me e
( hosana)
( insana )
perco-te no lastro

de uma história in.ventada



um pouco mais de azul para tanto amar





-christian schloe




*
delírio másculo o que
sob a arcada do templo festejávamos

*
foi no tempo em
que as pessoas se vestiam de emoções

*
de manhã chegavam e amavam-se
como um rio depois de brincarem com
as pedras do campo

*
à tarde colhiam figos e comiam-nos sob
o alpendre

*
à noite os olhos perdiam-se dormentes

*
inclinavam-se sobre as margaridas e
despiam-se num adeus ao
frio porque
o amor era como as pedras do campo que a
brincar atiravam ao rio



descendo pelos textos até à Ausência





-amy hopp




*
gosto de te inserir na folha como um delírio

não és .as mãos abrem sulcos
nas margens e o papel amedronta-se com a
aproximação

*
despertas aos poucos e nas
páginas as letras vibram ao encontro dos
dedos

abertos ao mundo

*
há uns óculos sobre a mesa
.ao lado um livro cujas lombadas
descem até às ruínas do templo

*
os gráficos ondulam

qual simulacro
onde a dormência se esconde



Flauta Mágica






-evert thielen




*
entre Sarastro e Monostato venha o diabo e escolha

*
quero a mente aberta ao in.explicável
ao arbitrário
ao método
à sublimação
às sínteses
à dialéctica
aos derrames
que jugulam ferventes
pelas minhas mãos

*
é altura de alguém lembrar a deus a re.escritura
do libreto  .reservo-me à flauta de Pã



no preciso momento em que a terra se abre em vento





-jake baddeley.




*
no princípio gesta-se a trova
báscula de um verso consumido
pela degustação do chão
- ventre aberto
à devastação
em derredor o assombro
- silêncio negro
de um tornado-trovão

*
a terra sucumbe
o vento ondeia

*
é cedo de.mais para arranhar a morte



cansada de olhar o sol com os dedos vazios





-alex belli.




*
para escrever basta-me uma folha
alguns dedos e um pouco
de tempo ou
imaginação

*
para voar mais alto

um virar de página



o farol





-faiza mahgni




___o barulho do vento fenece o mar
vacila o olhar

…oscila…

em degredo o faroleiro conduz um farol
timoneiro solitário

onde os talantes se hão-de saciar______________



o alfabeto das mãos





-carlo caravagna




______quando
a noite arrefece o alfabeto das mãos

.

a dialéctica molda-se à pele dos
poetas_______