as cidades em l - Lisboa




aquela praia sempre exercera sobre ela um particular fascínio .conhecera várias quando em criança saltava a crista ou mergulhava a onda .lembrava-se do velho bairro em Lisboa com as janelas das casas fechadas e revia-se nelas .a mãe costumava abri-las para as noites e as flores .era então que soltava o robe vermelho sobre o preto da noite .lembrava-se da mãe vestida com o robe vermelho / preto atirado sobre a cadeira do quarto
era verde o mar .era Junho
e ele costumava deixar um lastro de si em cada nota que retirava ao piano .manuseava as teclas como se rostos de mulher se tratassem esculpidos em sinfónicos vibrattos .as estrelas chamavam-no ,sempre a medo quando fechava o piano colocado junto da janela rasgada de parede a parede .um piano de cauda preto como o vestido que a avó usava naquela fotografia a sépia esquecida num velho álbum de família guardado nas águas - furtadas às recordações

lembrava-se que nunca estivera noiva
mas um dia havia de noivar .nunca na praia .em Lisboa .fora em Lisboa que se haviam encontrado e que ficara parada frente à montra duma loja baixa da estrela .polar .então prometera a si mesma conhecer o pólo norte ... talvez nesse Natal ... Belém ... São Salvador da Baía ... Lagoa ...
o mesmo ritmo os dois em coração acelerado a compasso haviam subido a avenida .haviam entrado no prédio .haviam chamado o elevador
eram brancas as ondas .era Julho
mês das horas passadas em banho maria
nunca lhe perguntou o nome
chegou a casa cansado e atirou-se sobre o sofá .descalçou os sapatos colocou os pés um sobre o outro e ambos sobre a mesa baixa .rodou o gelo no copo de whisky .molhou o dedo e levou-o à boca enquanto de olhos fechados ouvia em vinil a 3ª sinfonia de Mähler e
reviu-a
com a água a descer dolente ao longo da nuca dos braços das pernas do corpo aberto às carícias que lhe fazia todas as manhãs ao abrir o ser
amavam-se sempre ao som daquela sinfonia .ficara-lhes esse hábito desde a primeira vez .em Lagoa? .não .em Leipzig
Leipzig
era azul o mar .era Agosto
e a dança dos minutos escorria no relógio parado .ela porém feita senhora / dona do tempo .mulher / dona do mundo abria-se naquele afago de dia em férias .talvez o mar dissolvesse o abraço em que se tornara
era azul turquesa o mar .era Setembro em Lisboa e ela morria de tédio

estendeu um braço .relembrou em "slide-motion" as praias que havia fotografado ao longo do ano dos meses dos dias e das horas em demanda de algumas das cidades que se havia permitido
Leipzig ... Lagoa ... Liverpool ... Lagos ... Londres

alongou o antebraço abriu a janela e viu-o como há seis anos parado frente à janela .indiferente ao vento
o mocho enquadrado em olhos castanhos
era vermelho o mar .era Outubro