dispo as horas dos dias





josé rodrigues





*
sento-me de frente e rasgo uma
a uma as partituras de Johan Sebastian Bach
como um verbo liberto e
*
aparo o corpo contra a ombreira
da porta
*
para ti o cetim das palavras
para mim as fitas do silêncio
*
dos jornais
lidos a dois o gosto dos fluídos ou o adoçante
de um até logo
*
pés de lima nas
bordas de um livro arquitectado à sombra do
despojo
*
tu guardas as memórias
*
eu o tempo

*
como um gomo de laranja preso aos lábios



de que acasos somos nós?





agostino barrivabene




*
pisaste chão
ergueste terra
quando os pilares do templo deixaram
rastos sobre ti
*
olhaste as mãos
*
permitiste-as no labirinto dos astros
plenas de singular.idades e de
novas in.confidências

*
renunciaste à flor azul de Novalis
e foste um pouco mais de voz

quando o tempo respirou ascético



a arte de soltar os ventos





josé rodrigues





*
desligo-me e cravo na ausência pregos
de absinto e menta
*
um rasto
subjaz como pré-texto
sempre presente nos registos
*
a barbárie ousa
romper os cânones e dos obituários
reza a mácula como mutação
de olvidos tecidos nos intervalos dos
anos
*
é então que rasgo a urgência

*
solto os ventos



quando senhores da tragédia





ida budetta




*
profetizamos a tragédia dos signos
*
transitamos para a penumbra
e como claustros
re.corremos à pauta para transgredir o risco
de tornar habitável o corpo

*

apelamos à excrescência dos lobos



a ansiedade do instante seguinte





josé rodrigues






*
a turba é um peito de instantes aberto
ao conflito
*
um equívoco desossado
pelos mastins cujas fauces instigam à
maledicência de um sol menor que se
excede em  alvíssaras enquanto os vermes
arrotam dejectos
*
a ousadia é a distracção do bezerro
cujos cornos perfuram a derme dos fazedores
de utopias e cuja ansiedade  facilita o assalto
ao terrível
*
o verbo acasala o negro das asas com o
vermelho das bestas e o sintoma da
im.previsibilidade de ser cão serve de pré-texto
para uma noite de insónias

*
é tão perecível a fleuma do estar-com




parafraseando





arno rafael minkkinen




*

“dizer adeus custa tanto...”

*
não .não custa .basta gesticular com a mão



hei-de escrever um novo canto





- josé rodrigues




*
não há carta .não há marear perfeito
quando do mar faço a galera por onde o teu corpo
se estende sem temer

*
atiro as cordas ao mastro-maior a fim de
construir bonanças como se as ruínas deixadas
pelos Invernos fossem náufragos de outras esquadras

*
há ruídos torpes que me adormentam e eu
insisto
insisto
no ondear

*
sob o esgalho do canto
sinto-me orvalho-rubro-em-bravo-rosear



recortam-se no medo as horas mortas





-josé rodrigues




*
registo de corpos túmidos sob os ponteiros
de um relógio onde deslizam
as horas das meretrizes
*
as mãos tecem
rendas e cavas vão soletrando
palavras adúlteras

*
entre ambas estabelece-se um
compromisso como se as falácias fossem
resguardos onde se escondem
mutiladas

*
registam-se as arritmias do chulo

vergado pelo susto
.o relógio deixou de medir o tempo



quero-me a esculpir pedras





-josé rodrigues





*
debaixo de um peito
há oceanos
desejos
espuma laçada em onda
beijos
uma dança em rio          
margens onde repousam
peixes
a respirar
a-braços

............................

/ FECHO-ME EM COPAS /
/ A PARTIR DE AGORA QUERO-ME A ESCULPIR PEDRAS /



das trevas cativa





-josé rodrigues




*
senhor meu príncipe
das trevas cativo
conduz através do verso
o que minha alma esconde
*
leva-me ao encontro do pensador que
se ateia em fogo dentro do poema
*
veste em memória
o perfume da prata e
sê meu alazão

*
senhor meu príncipe
cavaleiro do demo
faz de meus olhos o reino do ócio
*
embeleza as laudas
rasga a fronte e
tem-me cativa em tua vinha de ouro
*
lava as mãos carmins
*
sê meu amo
a quem ouso pronunciar o
que meu corpo anseia
*
banha-te comigo na abundância do trigo
antes que a chuva nos conceba em erva-daninha

*
vem

senhor meu príncipe
ao meu encontro
*
deixa a ninfa-menor tanger a harpa
alimenta o amor
*
sê meu mestre e
eu fénix renascida
serei teu encanto de madre

*
senhor meu príncipe
de amor cativo
reserva-me o tempo
de transgredir o canto



o ruído in.saciável da pele





-josé rodrigues




*
as árvores agitam-se dissonantes ao
o ritmo lento das folhas que
oscilam presas a pequeníssimos filamentos
.param       
repetem o volteio ao sabor do vento
de fim de Verão
 *
[ uma monotonia em verde
espalha-se no lilás das flores ]
 *
algumas são corpos minúsculos
entregues a si mesmos e
o quintal constitui um universo
de tons
*
há um som rápido e seco que
ecoa no redopio das folhas que
cobrem os rostos das mulheres 
que aparecem e
desaparecem
*
vultos

*
fecho as janelas e
reservo o frio para as tardes       
                    e noites que se aproximam
desabitadas  

*     
a trajectória desenha-se no interior
das folhas-lilases


*
das flores-verdes que
descrevo
                                                    e
no tombar in.evitável das horas
insiro-as no ruído de um in.saciável            
                           *

                           encontro com a minha pele



sacralização dos sentidos





-georges mazilu




 
*
a in.solvência dos dias deixa
um outro segmento para castigar o tempo
*
desajustada
mente
*
caem os braços
caem as pálpebras
caem os dedos sobre fotografias
de infância

*
a velocidade dos olhos
sobrepõe-se às imagens impressas
em velhos álbuns
e
à deslocação das gotas que se despedem
em contínuos flashes

*
nítidos
os corpos evidenciam a
rendição dos sentidos



Hamlet





-anna wypych





                         *
                         desiste carregada pela sua fragilidade         

*
quem a tolda em água trans.bordante de si?
quem a quer no sentido oposto aos ponteiros do relógio?
quem se cansa de a colher?
*
Hamlet
*
ou a aragem fria que corta os rostos
dos ditos frontais para além da frontalidade

*
*
*
são castanhos os seus olhos e vende caracóis

*
riam-se palhaços
riam-se da miúda que dança

no deserto dos outros



dia de S. Valentim no reino animal





-chris willcocks




*
súbito o frémito
conduz os pares em sexo ao baile
da cabra cega onde o duo
inicia a dança copular
*
o macho pára
espera
olha
corteja
a fêmea
*
esta em ritmo mais lento
comanda o ritual

do falo

desassossegado



em viagem .como aves migratórias





-anna wypych




*
dois pássaros migrados reservam-se
num bater de asa

resguardos em vento empolado

*
veleiros de águas
timoneiros ardentes
os corpos-quilhas rareiam
em proas de navios num
jogo
gravado
ao cordame

*
ao arrepio velhos bergantins
buscam

o desejo in.distinto de a-mar
as velas em baixa-corrente



tanto azul





-deangel




*
o azul persegue-os desde o momento
em que o foco incide sobre ambos
ele desespera e
ela sente que o peso do azul
dar-lhe-á as rédeas da des.equilibrada relação
assumida entre o pássaro e a serpente
*
qual o mistério do medo?
*
o azul

*
um dia há-de expungi-la e
verificar que o seu sangue é azul
como as pernas e
os braços e
os olhos e
a língua e
o ranho e
o pranto e
a lágrima e
o suspiro e
o grito que lhe resta preso na garganta

*
o azul é o ponto finito
da vida não assumida de dois
lazeirados permutando máscaras



nas entrelinhas do estar-quanto





josé rodrigues





*
ensaio de chuva lá fora num tempo
de in.tempéries cá dentro
*
enxaguo de flores ou abuso de reticências
num sobressalto
*
tempo de esquentar
vazios contrapostos ao in.desejável ou um
amanso de letras em vassalagem
*
arquivo de consciências

demais-breves para ignorar o quanto



basta de reflexos ( ainda por cima temperados )





agostino arrivabene




*
ocupaste o lugar do morto
.um modo coloquial e sereno

de passar a ser uma
réstia de sol no jardim dos bocejos
*
acendeste noites e noites
no rescaldo assertivo dos dias

rendido à frugalidade de
vaguear pelo devasso

*
ao longe

as Fúrias reservaram-se avessas