sentimo-nos mal




em 1980 Marc Guillaume escrevia -"Não é possível resistir à política do património. ela propõe um mundo hiper-funcional, espaços de diversão que captam demasiado facilmente todas as nossas tristezas e nostalgias. mas do passado apenas retém fantasmas.
de qualquer modo, o essencial não é, apenas a conservação do material e do visível. o que torna o quotidiano ainda habitável e poético são as artes inumeráveis e secretas da memória e do esquecimento."
tornar os espaços habitáveis e significantes .procurar raízes duma identidade individual e colectiva ,posta em crise pelo forte crescimento geográfico e profissional .compensar a destruição que acompanha o processo de desenvolvimento industrial .inverter as imagens do efémero próprias da sua forma de consumo - eis alguns dos motivos que devem justificar os movimentos - de defesa do património - aparentemente frágeis .movimentos que utilizam o passado como operador social ,insinuando a importância de uma memória colectiva [ não mercantizável ] em relação a uma memória individual [ mercantilizada ].
aparente mente as questões do património parecem despertar atitudes consensuais apoiando-se em valores estéticos e artísticos apresentados como isolados dos valores políticos numa discriminação que tornaria a questão do passado neutra no presente ,o que não é verdade.
foi Almada quem disse que "ser moderno é descobrir o antigo " e Sanguinetti escreve mesmo "como se fosse possível propagar ideias de amanhã sem que sejam também de hoje. o homem moderno é um homem para quem o passado conta como passado ,portanto ,irrepetível ,ou ,se repetível ,só para ser superado."
património defesa de património - conservação de lugares ( objectos ) seleccionados ,consagração de um passado ,homogeneização de memória .homogeneização de um território e duma historicidade temporal.
bem diferentes se desenham as coordenadas dos tempos do nosso tempo .fábricas indústrias desenvolvimento e produção
hoje o tempo já não é circular mas rectilíneo pontual segmentado por relógios cronómetros pontos .é um tempo linear irreversível
tempo do imperfeito do indicativo - como afirmava Proust - por entre o tempo irreversível confortantemente passivo o efémero ataca não só o futuro mas também o que passou dando origem a novos narcisismos - privilegiando o aqui e o agora contra a memória e consequente mente contra o futuro
alargam-se então os conceitos do tempo ?engano!
todavia importará não calar as diferenças sabendo que cada relação de poder corresponde a um novo calendário .não nos esqueçamos do tempo do uso e do ritmo de vida .quando seleccionamos um passado há que lembrar que o mesmo processo poderá ser aplicado numa historicidade do irreversível ao futuro
defender o património poderá ainda ser uma consagração de rupturas ou um sinal de resistência um apego a uma identidade entre o antes e o depois um pretexto de afirmação das diferenças que se pretendem esmagar ou apenas atenuar
em Silves são vivos exemplos deste tempo híbrido silenciador e passivista uma certa marginalidade urbana .por isso também nos diz respeito a importância da selecção dos lugares dos objectos e dos sistemas pois nessa posição sobre o passado está um projecto [ ou uma ausência dele ] de futuro
património passado presente e futuro - sentimo-nos mal no nosso próprio tempo e espaço .temos ,pelo menos ,o direito a transformá-los

utilizei ao longo deste texto várias citações integradas num discurso sem as referir ou situar
.enquadrei-as num texto meu
acredito que ler atenta mente e reflectir em também são formas de criar um texto
.ao identificar-se comigo e com todas as afirmações precedentes qualquer leitor poderia tê-las criado
.logo o texto precedente tanto é meu como vosso