ao som das notas conflituantes






don seegmiller






*
*
regresso em jeito de música
vestida no aqui e no agora
de restos de paraíso .trago o
sonho como uma graínha deitada
ao acaso e no refúgio do vento
aporto à ilha que me tem suspensa
dentro do silêncio .demando em
cada nota a brevidade do tempo e
tento perguntar ao maestro que
me aguarda sentado ao sol qual
a ironia da nota mais subtil .os
dedos ardem-me enquanto sentada
ao piano recomeço a sonata que
interrompi ao a manhe’Ser .quedo
-me na vigilância do não dito com
receio de perturbar tudo o que o
vácuo esquece e se a aguarela
des.lembrada ao canto da porta pelo
poeta das horas mortas me quiser
por companheira pisarei com pés
de chuva a raiva que se esconde
na vala comum dos renegados
.sob a arcada há um choro sem
lágrimas que me reporta ao
princípio da viagem certa de que
o meu lugar de lunagem se atém
na ternura sangrante de cultivar
o canto 





voltar ao princípio






don seegmiller






*
*
às vezes é preciso voltar atrás
.escrever o escrito
re.re.escrevê-lo e voltar
- em fénix –
à génese da prece .insistir no
exorcizar dos medos

não há como a fragrância da antífrase
para adocicar o corpo do poema





o relógio do tempo






don seegmiller






*
*
o silêncio é um lugar de sim
se o não adormece
o som omitido .um esquecimento
.um ritmo que aquece
a dança .um concerto
interior
onde o fogo se apaga .uma ária ou
um cantar de pássaro
.um estar além
quando o aqui magoa .um Ser ao longe
se o partir demora
.um barco no porto .um medo volvido
.um voltar maré na bruma que
se aflora breve
.um cantar de amigo
em refúgio sacro .e tudo se esvai .e
tudo é memória no relógio do tempo 





“o passado é aquilo que conseguimos fazer do futuro”*






don seegmiller






*
*
sem prenúncios te anuncio
como um fim em ti
argênteo vegetal que
transporta no ventre
o cansaço e o fastio
.o desejo de apoucanhar o outro
consome-te e vacilas de verso
em verso agarrado à âncora do
efémero .vendes-te a retalho -
conforme o preço do mercado
- esquecido que hoje és o resultado
do que outrora acendeste em fogo
alheio .alienaste-te a Iblis que
te agradece a ignomínia e te afaga
o ego em descoloridas vaidades
com que julgas resgatar o fim
dos tempos .os contrários
mostram-se adversos à bravata e
fatigados -
porque outros são os Poetas
- os mutantes reservam-se ao
silêncio quando senhores do nada
desbravaram as águas turvas dos
segredos .ousaram-se pioneiros
de novos cantabiles
e na geometria bífida do futuro
construíram um passado
cerzido em mapas de lucidez .foram
os áugures do presente
a consciência in.consciente de um
amanhã que por mais esquecidos
ninguém apagará apesar da fúria
incontornável dos bárbaros




*( fragmento persa – Anónimo ,Ano I da Égira )





sem demoras nem delongas






don seegmiller






*
*
não é hora de deslavrar poemas
sob a míngua do poente ou
assumir como consequência a baba
que escorre pela página onde as letras
se rebolam .nada é comparável
ao temerato
independente
mente
do facto de te apresentares como
anunciador de desgraças ou de me leres
ou não .as palavras reunidas em simples
frases vigiar-te-ão como um rosário
Íntimo guardado na ara do templo
.não carecem da tua bênção para em
exclusiva intensidade se
aventurarem na tentativa de existir
.breves os dedos tecerão cânticos à
impaciência do fim
que chegado
se tem como fenda ou fascínio
no abismo da leitura .aguardas sem
reservas o enigma dos murmúrios e
em versos laicos prescreves a
morte do autor esquecido que tu
mesmo concorreste
ao ler-me
para tal morte .em visceral escárnio
inscreves-te no teu posfácio .de mim o
prefácio anuncia-se vário





amanhã






don seegmiller






*
*
cansaram-se as palavras e
eu também
neste frenesim de máquina
que não obedece às teclas de
comando .amanhã talvez
regresse ao tempo
in.compreensível
dos re.encontros sem ruídos





cartas de amor






don seegmiller






*
*
parca a correria que nos conduz
a nenhures enquanto as cartas de
amor adormecem sobre a roupa
acabada de chegar da lavandaria
.há quem as rasgue passada a paixão
ou as devolva ao remetente
.quem as copie em novas sílabas
de bem querer .quem as envolva uma
a uma em cintas de rubro sangue
enquanto o fogo as não aquece
.há quem das mesmas teça testamentos
ou as preserve de golpes mais afins
.as cartas soletradas à revelia do
pecado deixam-se repousar numa
presença lavrada em ausência e despem
-se todas as noites para dizer adeus
ao tempo .saúdam-nas o levedo
quando lidas pela última vez antes
de regressarem ao cesto dos papéis
queimados





em tom de desejo






désirée dolron






*
agora
vou cansar as borboletas
nos beijos do meu Amado





aceso o poema






désirée dolron






*
cego por ti
meu amor
o tempo que não nos vê

o instante
o breve acto

em que amar-te

é não saber
até quando
velam remos e
marés

somos senhores
do momento

acesa a vela e
o canto

e ao amar-te
assim tanto

acendo o poema

em teu peito





sementeira






désirée dolron






*
é da amora e do trigo
o sabor deste ficar

olhar o vento
que sopra

no ombro
do meu amigo

assim
deitada a seu lado

no recato
de seu corpo

ergo a taça
bebo o vinho

e deixo
o prazer
corroer

o desejo

em cada beijo





vagueios nocturnos






désirée dolron






*
calam-se as palavras
sussurram as mãos
gritam os a-braços

em negrumes

de meu cuidado

do tempo
restam recados
breves

brados
uivos

tarda a morte
rasga o dia

e eu
neste silêncio de mim

pego em minha candeia
vagueio
ao sabor do pecado

entre as sombras e
o restolho

sem medo de me encontrar





em maré de festins






désirée dolron






*
meu amor de vagamundo
meu hábito de haver olvidos

meu sussurro e
minha raiva

meu arquejo
de predador

em ti
devoro o sentido

em ti
cravo minhas unhas

teu corpo
é barco perdido

veneno
cicuta
ácido

onde me perco
e me acho

náufrago

de festins tão íntimos





despir o corpo






désirée dolron






*
digo adeus ao sol
à lua
ao vento

ao instante
ao agora

amanhã
é tarde

que importa?

hoje
é tão doce a paixão
com que abro

o corpo





nada sobrevive ao caos






don seegmiller






*
*
ousam-se as águas do oceano
irreverentes
como a flor que se exime em
in.segurança
.são erros de pétalas espargidas
em rios de olvidos .são requisitos de
um ir mais longe num chapinhar de
mãos enxutos os pés .ao espelho do
dia as enxurradas são ossos que
seguram a pele enquanto a noite
se esvai num suspiro de fora tão só
para dizer que a Poesia é um porto
des.abrigado que as mãos esquecem
no estaleiro dos sonhos





aquém vadiagem






désirée dolron






*
assim
vou de passo em passo
ao romper da manhã

junto à represa
ao rio

atenta

ao chilreio do pássaro
ao cantar da fonte
ao requebro do poço

onde despojo

madrigais e
cantos

e num recolher
tão meu
ao encontro de mim

mordo o silêncio

enquanto vadio





escrava do Tempo






désirée dolron






*
não me esquivo do Verbo
para ser escrava do Tempo

antes imagem

labareda acesa
fonte e derrapagem

de um acordar
mais tardo

em acutilante

desejo





nas esquivanças do Verbo






désirée dolron






*
nas esquivanças do Verbo
sou um Ser-em
solidão

trago no ventre
o fulgor
vestido de fina prata

e se a paixão me avassala
largo a pele
pelo caminho

.vagueio
em sábia imagem

.sou
no silêncio

a desordem
mas jamais a vassalagem

.sou
na flor
a pétala aberta

assumida

em louco amor





poeminha ao fim da tarde






désirée dolron






*
tão perto do chão
mas já tão alto

o prazer
de te ter

livre

em minha mão

selada





perguntas vadias






désirée dolron






*
que dizer
deste desassossego

a medo

deste vacinar
de enredos

tão vorazes quanto
delirantes?

deste ficar prisioneira
neste vadiar

longínquo

de teu corpo
tão errante e
claudicante?





porque não?






désirée dolron






*
quem me adivinha os sonhos?
me levanta
de minha quebranteza?

sou na beleza
o rascunho

de um momento
quase único

e trago
preso ao arnês

um pouco de solidão

a voz cava
solto o verso

no reverso

dum golpe
duma desdita

que sem molestar
me desfita

em silêncio .porque não?





um novo marear os astros






désirée dolron






*
simples como a água
é o meu chapinhar
no vento

.trago colmeias de sonhos
vozes baixas
quase lamentos

e vou de porta em porta
em busca
da solidão do raio

da dúvida
do ritual
do gesto

e quando me tenho
perdida
no verso que exigi

requeiro
um novo intento

vagamundo de lugares





o apelo das árvores






don seegmiller






*
*
as nuvens embrulham-nos num sol de fim
como se o dia se acendesse devagar e
as horas das matinas se confundisse
com um mar de esquecimentos pronto
a avassalar o mundo .o controverso torna-
-se a palavra de ordem a fim de submeter
o caos à tardança .os homens apegam-se
ao irrisório numa confusão de estilhaços
abandonados ao longo das cidades
.acendem-se rastilhos de ódio no coração
de deus que se esqueceu de incinerar o
gelo cravado nos oráculos .há quem
apele à película da infância .deixem
viver os infantes apelam as árvores
sobranceiras às trincheiras num silêncio
frio cerzido à lava da ternura .nem as
aves entendem o grito .nem as pedras
escrevem o que lhes parece um rio de morte
gazeado o terreiro em ódios temperados à
flor da pele .de novo o obliquar do medo nos
olhos moribundos que aguardam o despir
das névoas num simples golpe de coragem





a barbárie






désirée dolron






*
hoje disse não à barbárie

fechei as portas
do templo e
expulsei os fariseus

fiquei só
entregue
ao fascínio

do meu distanciamento

e quando
num retorno à escrita

perguntei
por ti

responderam-me
os Poetas

tão perto
mas já tão longe

-ninguém corrompe o silêncio
ao eremita

mutante





ser poeta






don seegmiller






*
*
falam-me de um outro modo de ser poeta
.não conheço .não quero conhecer amores
perdidos ou proibidos em redondilhas ou
rodriguilhos .limito-me a amar a árvore que
nasceu anã em meu peito .a palavra que
escorre a contra-gosto pelos meus dedos
.o sorriso do esquecimento que oblitera
o meu país de gelo onde a linguagem se perde
em risos intermináveis
.as palavras são estilhaços que deixo colados
aos regaços da minha infância e com elas
percorro labirintos de tinta nascidos no
meu peito .cinzas que se consomem
à nascença em restos esquálidos
ou tão desabridos quanto o Levante
.é no contraditório que lavo as mãos qual
Pôncio Pilatos de quem herdei a traição
e o rastilho .acendo fósforos que lanço ao
mar e no caos com que agasalho a vida
cravo as unhas nos ramos das árvores
como desagravos de uma servidão mal
levedada
.uso a caneta apenas para acender o dia  





modo de ser - V






désirée dolron






*
não tenho paciência
para ao abrigo

de um sorriso

ser num verso
o antídoto e

num poema
o veneno
que corrói

enquanto mata





modo de ser - IV






désirée dolron






*
venho de longe

trago na cinta
o sorriso

na algibeira
a surpresa

no casaco
velho e
surrado

o adeus

.sigo
caminhante e
peregrina

de mãos dadas
com o tempo

em busca
de um outro modo

de ser

a raiva
que teço

em surdina





modo de ser - III






désirée dolron






*
nada mais estafado
que destecer o enfado

de um narciso
enquanto bardo

.com a voz
solta o veneno

.com o corpo
quebra o encanto

.com as mãos
cansa a ternura

dos Outros

e assim de perto
e tão parco

no aprisco de um poema
que a si devota

adultera

a beleza

que resgata





modo de ser - II






désirée dolron






*
a quem interessa saber
o que penso
o que sinto
o que gosto
porque sou?

-a ninguém?!

então
não me leias
se te enfado

não chateies -
- passa ao largo!

va de retro -
- Mefistófeles!

sou
Mulher
gosto-me assim

e tu
que me tens cativa
da escrita

onde me esgarço

leva para longe
o ardil e
sê de meu canto

o espanto
o sorriso
o tempo

de florir em pensamento