se me for consentida a clemência deslizante





josé rodrigues





*
acordo atravessando um manto estelar
*
cumprimento o homem no outro lado da paliçada
*
sinto na minha cabeça o peso do piano que
Mozart toca só para mim
*
e plagio os versos-próprios
divorciados do momento
*
prendo-me na urdidura
das sombras que me tecem e insisto em esculpir
rostos
*
afogo barcaças
*
rio-me do cansaço de quem me quer
substância e deito-me despojada
no regaço dos nomes ou no pecado de mais
um dia
*
amanhã todo o discurso será mais um farrapo
*
um traço a mais

*
uma carta morta que não jogo




e de.pois?





humberto delgado




*
que dizer de.pois se o agora tarda
.até quando?



ausenta-se a vontade de ficar





ida budetta




*
um acre-sabor num sacrílego golpear
de voz
*
um simples colapso
um talvez-dizendo .uma vontade
de celebrar

o nocturno-declíneo
*
enquanto os uivos equacionam o voo

o presente
morde a viagem

em cegos subornos



desassossegos em círculo





george christakis




*
tenho-te em eco no olvido da tarde
rescaldo de manto onde a voz se
guarda

em círculo
*
lambo as sombras .esventro a Ausência
rasgo o dia e quedo-me

ascética

no baptismo dos asnos



quedam-se esparsas as palavras





desirée dolron




*
des.abrigo de tempo na mansa
in.quietação do oculto .ninguém se
tem .falso o cinzelar do verbo

neste arquejar de nus .desfaz-se o
timbre .a argúcia e os nómadas
acendem estrelas

no acesso ao Inferno
*
em atropelo de sono ou morte
Hades assume a querela e o
quesível explode

feminino
*
na justa medida do silêncio
concebido na cauda de Centauro

*

e foste palato .sono .veneno ou porta
cerrada



no retomar dos afectos duais





christian martin weiss




*
das cinzas
assim o bálsamo onde raínha
me afasto .fosse lábio o mosto
neste torpor onde o fogo
insiste

mortífero
*
Mulher sangrante o brado
nenhuma voz se tem no claustro
da morte .táctil o Homem espreita
no espanto de lobo .mudez efémera

como matéria mutilada
*
assim o risco devolvido
à servil condição de prece .beijo
desistente no rasgo que se absorve
de.composto o rosto

*
assim a causa 



na negação dos lugares





arno rafael minkkinen





*
não sei de espaços de tempos
e de lugares

não sei de cantos
*
afectos judiciosos e íntegros
*
circunspectas passagens

entre o ministério e a casa
*
não sei de ritmos
muito menos de rimas

*
mas sei do doce-amargo de um olhar
vadio-hoje-insolência
que corrói e assombra



na volta das biografias





agostino arrivabene




*
mergulhada no acervo dos esconsos

deixo inscritos os tumores dos espaços
*
.não sou fácil

na presença da areia refractária
ou na des.construção dos astros
*
concebo a incisão

da matriz

*
e filtro
o aparo como

chorrilho de escaras mais-acima



um pouco menos de sol





josé rodrigues





*
e agora estou aqui entregue à voragem dos abutres
resguardo o pranto e faço do passado a paliçada
onde a vergôntea arde num fogo sem lume e do
presente um rio esquecido debaixo da cama
*
levanto-me devagar
*
calo-me
*
sem saudade esculpo o vento

*
e sei da vida numa outra floração



dos escombros dos lémures





pier toffoletti




*
como me agrada não saber escrever
segundo os con.sagrados cânones linguísticos
*
como assim?
*
sugo dos escombros o sangue dos lémures
e resisto à pestilência

autocrática



regressos átonos sem pontos de interrogação





josé rodrigues




*
se um dia eu voltar tendo a bruma como vestir e a
tua mão ferrão procurarei um outro lugar
para um metodizar vário
*
vergá-lo-ei aos desejos navegantes
*
assumi-lo-ei como uma nova dialética
*
trocarei os alicerces e
*
assumir-me-ei como uma metrografia emergente ao logro
*
se um dia eu voltar desnudarei a ignomínia dos excessos

*
aos fariseus a matança



resistência





ida budetta




*
no ensaio há uma voz que grita
um som que se define
uma asa que se nega
a ser tábua rasa

acompanhas-me

como léxico?



não tenho que dar contas ao demo





josé rodrigues





*
dedilho paisagens rubras numa aliança
avulsa com o demo que me aguarda
sem sentido
*
penso nos telhados
das frases e sorrio ao fogo da escrita num
lume apagado
*
perpetuo cinzas pelas letras mortas que
insistem em mergulhar na minha escrita
pagã
*
e nostálgica traço
alvoroços afogados em rostos como virgens
folheadas em leitura avulsas
*
insisto nos nomes
*
peco por eles e demoro sabendo
que a morte é uma hárpia fora de tempo

*
apago a vírgula



não sei redigir testamentos





agostino barrivabene




*
consomem-se testemunhos
.de.marcam-se obreiros
cativos

de epístolas
cheias de frases onde o verbo
re.pousa

*
recado ou
garra que dos resistentes se elevam

na mutação das memórias

únicas e in.transmissíveis