memórias




absorto ao tique-taque do relógio levantou os olhos sem os fixar quando repentina mente os mesmos se deslocaram para a figura feminina sentada na mesa ao fundo .fixou-a curioso .havia algo naquele colocar de cabeça que lhe lembrava alguém .quem?
a miúda levantou os olhos da revista mil vezes folheada e displicente olhou em frente

ele baixou os dele .ela percorreu-o de alto a baixo .desconhecido - concluiu! .havia no entanto algo na face dele que lhe lembrava alguém .quem? 5 horas duma tarde .fazia calor .ninguém na rua .apressou o passo e olhou o relógio que trazia no pulso direito .tinha sido ele que lhe oferecera no dia em que fizera 22 anos com muitas palavras escritas ditas e estudadas em mesas de café quando se encontravam e se amavam .muito .deixou que o empregado aparecesse junto à mesa para pedir uma italiana ."desculpe ,não temos .pode ser uma portuguesa?" .riu dele para si .ela riu-se de si e para ele acelerou o passo certa que mesmo assim iria chegar atrasada .o calor sufocava .preferia fazer o trajecto a pé .o café ficava perto de casa .calçara os velhos mocassins e agarrara a primeira carteira que encontrara .ficava com ar de miúda - diziam-lhe - e ela sorria de si para si .sentia os pés inchados .há quanto tempo não calçava aqueles sapatos .desde que a filha nascera .tinha sido com eles que saíra da maternidade 
havia tanto tempo
passou o velho jardim e reparou que também ali o tempo continuava igual .os velhos bancos sem cor.era naquele jardim que todas as tardes deixava os colegas de faculdade antes de correr ao encontro dele .e ele fechado o ateliê esperava-a .a dança dos amantes começava no encontro das mãos .brincavam ao toque e foge e nenhum fugia .deixavam-se levar pelo toque mágico do curso por fazer das aulas esquecidas e das sebentas que todas as noites sublinhavam sem remorso ou medo .e todos os dias seguia-se o mesmo ritual acordou cedo enjoada .naquela manhã não se levantou .o sono e o calor venceram-na ."são horas" - gritou a mãe .ficou todavia no requebro da vida que despontava ao dizer-lhe adeus as cidades foram outras .os caminhos foram longos .as pessoas foram diferentes .a vida fora sua .percorreu-a ao ritmo alucinante das aventuras que foi encontrando
Lisboa Viena Londres ... Saint-Martin
percorreu com os pais as embaixadas para voltar sempre ao mesmo lugar .havia de encontrá-la em todas as mulheres com quem ia repartindo a vida deixara-o em busca do traço certo dos prédios que havia de projectar um dia e a menina mulher fez-se mulher menina .um dia um dia haviam de reencontrar-se na história não na história dela .também não na história dele
ouvira-o olhos nos olhos no terceiro andar de um prédio perdido numa praia ao sul .o tempo porém já não era o tempo dos abraços .mas ele amou-a a seu jeito quando ensaiaram a cena final dum drama comédia ou tragicomédia .e ... ela
amou-o a seu jeito
em miúda costumava andar de bicicleta quando se sentia triste e ele pedalava a velha bicicleta do "ti" Joaquim muito tempo antes do pai lhe comprar o primeiro automóvel .o velho honda .azul escuro .odiava o azul escuro .era a cor dos olhos dele .era a cor dos olhos da miúda que o encarava do outro lado .a revista aberta sobre a mesa .ela sorriu .ele olhou-a .o mesmo cabelo os mesmos sapatos o mesmo sentar
levantou-se e pediu-lhe fogo ."desculpe não fumo" ."há muito tempo?" ."nunca fumei" ."a minha mãe costumava dizer que o meu pai detestava fumar .ela fumava pelos dois" - riu 
o calor sufocava .os passos retardavam-na .ia chegar atrasada .tinha a certeza .tentou correr .lembrou se do carro azul parado na alameda .da polícia dos costumes dos beijos trocados do toque bruto na janela do carro .lembrou-se e pela primeira vez teve medo .ela com medo? correu
estendeu a mão para segurar a chávena .as mãos tocaram-se .o mesmíssimo toque ."posso saber o seu
nome?" "M..." "ah...! e o seu...?" "M..."
acordou em perfeito sobressalto .a mãe chamava-a .na cozinha


dependência ou criação?




à semelhança de Nélida Piñon sinto-me como um mero repertório de palavras desconexas frente ao qual me vejo aflita porque na desordem do meu pensamento não sei o que ( ou se ) me apetece escrever

"como seleccionar o que seja se a própria existência é uma apologia do banal?"

gostaria de encontrar a resposta 

sei-me comprometida com a arte de criar porque esta nas suas mais diversas manifestações é parte integrante de mim .sei que escrevo para deixar fluir à minha revelia as metáforas os mistérios e os fantasmas que me habitam e se sirvo a palavra como um estigma apesar do longo convívio com o literário sinto-me cada vez mais senhora de uma memória que engloba múltiplas histórias .sei que a escrita é a morada do escritor mas não sei se quando se tenta conciliar a propriedade da narrativa ou decifrar se esta deriva da nossa imaginação ou se não será apenas uma marca se bem que eloquente de uma existência colectiva anterior ou parte de um texto já escrito por outrém não estaremos a endeusar-nos?
não ouso definir este enigma porque quero-me uma eterna aprendiz da palavra com a qual dia após dia disputarei certa de que ela sempre me desgovernará porque muito mais forte do que eu e

no meio de uma enorme gargalhada

admiro o seu fascínio mimético quando automática e persistente se insinua e me domina



entrevista ao jornal "Terra Ruiva"*






TR - fale-nos um pouco, desta antologia que incluirá os seus poemas, como surgiu esta oportunidade/convite?

grm - esta Antologia ,como o seu coordenador-editor ,Adélio Amaro ,muito bem define no Prefácio ,é “ a continuação do encontro entre diversos poetas de variados e longínquos países, onde a distância é apenas terrena. É a união da Língua que consegue galopar todas as barreiras. É a Lusofonia Poética que Cecília Meireles defendia como “um espaço para publicação de música e de poesia de poetas da Língua Portuguesa”. É o encontro do mesmo idioma, mas de cores variadas”.
o convite partiu do Adélio Amaro que editou o meu primeiro livro de poesia “.delete.me.” .como ,segundo parece ,gosta da minha forma de vagamundear pelas e com as palavras ,convidou-me para ,em 2007 ,integrar a I Antologia de Poetas Lusófonos .destarte e porque era um desafio aliciante ,aceitei ,e ,voltei a fazê-lo este ano ,porque quem sabe? esta é uma Antologia que até pode ser a Última flor do Lácio, como Olavo Bilac defendia...

TR - foi a Gabriela que escolheu os poemas? ( ou quem os seleccionou)

grm - os poemas com que resolvi participar nesta Antologia ,foram seleccionados por mim ,mas ,quando os enviei ,não sabia se seriam todos publicados ,porque estavam sujeitos à apreciação ,prévia ,de uma comissão de avaliação.

TR - quantos poemas serão publicados?

grm - são quatro os poemas seleccionados e publicados - “o silêncio é de ouro” ( 14 de janeiro de 2011 ); “retratos de uma cidade” ( 25 de janeiro de 2011 ) ; “às vezes sou um sim ,às vezes não” ( 8 de fevereiro de 2011 ) e “sem explicação aparente” ( 29 de março 2011).

TR - e quantos autores estão incluídos?

grm - nesta Antologia ,encontram-se publicados poemas de 140 autores.

TR - penso que não é a primeira vez que seus poemas são publicados em antologias... já houve outras publicações?

grm - e pensa muito bem! de facto ,desde 2003 tenho poemas editados ( em Portugal e em Espanha ) no Ciberespaço ,em Revistas Literárias ,Colectâneas e em outras Antologias ,a saber:
2003, O Fulgor da Língua e o Estado do Mundo – ciberpoema , integrado em Coimbra Capital da Cultura;
2006, Inquietação e Poiesis XIV ,ed. Minerva;
2007, Poiesis XV ,ed. Minerva ;I Antologia de Poetas Lusófonos e Revista Litterarius , ed. Folheto & Design, Lda;
2009, Os Dias do Amor ,ed. Ministério dos Livros ;Revista Oficina da Poesia ,nº 12 ( Universidade de Coimbra ), ed. Palimage , e ,Entre o Sono e o Sonho ,II Vol. ,Chiado Editora;
2009//2010, Diálogos com a Ciência ( Universidade do Porto );
2010, SULscrito ,nº 3 , ed. 4Águas e Cuadernos Telira ,nº 13 , ed. Caja de Burgos;
2011, Se Lo Dije A La Noche - Poesia - Juan Carlos Garcia Hoyuelos ,( Burgos ) e IV Antologia de Poetas Lusófonos , ed. Folheto & Design, Lda;
2012, Antologia de Homenagem a Amato Lusitano ,Câmara Municipal de Castelo Branco ( no prelo ) e Antologia "Um Poema para Albano Martins", Ed. Labirinto ( no prelo ).

TR - além da poesia, escreve outro tipo de textos? (quais, onde)
       - está a trabalhar nalgum projecto actualmente?

grm - sim sim! muito embora entre a poesia e mim haja uma ligação uterina fortíssima que vem de há muito ,todavia ,com alguns interregnos ,mormente ,nas décadas de 80 e 90 do séc. passado ,onde a investigação me ocupou ,exclusivamente ,com trabalhos que vieram a ser mencionados ,na época ,por alguns autores ,académicos e estudiosos ,gosto de ousar-me na poesia visual ,na prosa poética e no conto ,e ,faço-o ,em revistas ,como foi o caso do “Letras e Letras” ,onde cheguei a ser correspondente redactorial ,na década de 80 do séc. XX ,como representante ,no Algarve ,da Fundação Natália Correia ,e ,como responsável pela edição da Revista Litterarius ,onde pautam alguns textos da minha autoria .hoje ,aceito participar em projectos a quatro mãos e aventuro-me em “textos rasurados” ,ao sabor do momento ,como é o caso da minha colaboração mensal no Terra Ruiva .a blogosfera ,porém ,é o meu domínio preferido ,e ,respondendo à sua pergunta se ,actualmente ,me encontro a trabalhar nalgum projecto, digo-lhe que sim que me encontro ,qual crisálida ,numa fase de amadurecimento e selecção da minha obra – ensaio ,lírica e prosa poética - a fim de publicá-la ,começando por essa arte nobilíssima a que chamamos POESIA .o imenso respeito que a mesma me suscita tem-me levado a experiências diversas ,cujos resultados têm sido bem honrosos ,mormente ,com a escolha, por exemplo ,do meu livro .delete.me. para tese de um doutoramento.

TR - quando começou a escrever? e como descreveria a sua relação com o acto de escrever?

grm - comecei a escrever quando ,um dia ,já bem distante ,me ofereceram um lápis e com ele apontei a lua .disseram-me que era feio apontar .então ,qual transgressora nata ,tracei uma linha entre as duas e comecei ,diariamente ,a preenchê-la com palavras e palavras e mais palavras ,até criar aquela ligação uterina que lhe falei ……
descrever a minha relação com o acto de escrita? minha querida amiga ,um acto de amor ,pratica-se ,não se descreve .satisfá-la a resposta? sei que não ,mas dos vagamundos não se rezam histórias……

………..e ,à laia de fim de entrevista ,permita-me que ,de forma sucinta ,mencione outras escritas:

1.PUBLICAÇÕES:
- “Notícia Informativa sobre a Cidade de Silves. Subsídios para a sua História”, brochura publicada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Silves.
- “Silves Histórica”, artigo publicado na Revista Tribuna do Algarve.
- “Notícia Histórica sobre a Sé de Silves. Do Cartório Quinhentista ao Actual Arquivo Paroquial”. Congresso do Algarve.
- “O Pelourinho de Silves”, com prefácio do Académico Prof. José António Pinheiro e Rosa. Congresso do Algarve.
- “A Imprensa no Concelho de Silves. 110 anos de Actividades Jornalísticas”. Congresso do Algarve.
- “A Antiga Toponímia de Silves. Co-relação com os Actuais Topónimos”. Congresso do Algarve.
- “A Presença dos Judeus no Algarve”, artigo publicado na Revista “Correio do Algarve”.
- “1189-1989. Comemorações Centenárias da Conquista de Silves”, artigo publicado na Revista “Tribuna do Algarve”.
- “O Castelo de Silves” palestra apresentada em Silves e publicada no Boletim da Junta Directiva da APAC.
- “Algumas Achegas para o Levantamento dos Usos e Costumes de Silves. Suas Tradições” – alguns Capítulos encontram-se publicados nos Livros de Actas dos Congressos do Algarve.
- “Breve Síntese Histórica sobre a Cidade de Silves. Estudo Cronológico”, artigo publicado no jornal ALFANGE.
- Colaboração no artigo “Sun, Sea and History; Portugal,s Algarve”, de Geoffrey Moorhouse, publicado no “Traveler National Geographic”, vol II, number 4, Winter 1985/86.
- “O Teatro Gregório Mascarenhas”, artigo publicado no nº 3 da Revista “O Mirante”, Dezembro de 1991.
- “O Actual Edifício dos Paços do Concelho de Silves”, artigo publicado no nº 4 da Revista “O Mirante”, Março de 1992.
- “Casa-Museu João de Deus; O Homem, O Cidadão, o Poeta ou um Processo de Memória e Morte”, artigo publicado no nº 6 da Revista “O Mirante”, Março/Junho de 1993.
- “Algumas Considerações muito inoportunas… sobre Democracia e Solidariedade”, idem.
- “Silves…Uma Viagem ao Passado”, artigo publicado na Revista Algarve/Andalucia, nº 3, Outubro de 1998.
- “Casa Museu João de Deus”, artigo publicado na Revista Algarve/Andalucia, nº 5, Janeiro/Fevereiro de 1999.
- “Casa Museu João de Deus. O Futuro construído em Memória”. Congresso do Algarve.
- “A Ludoteca. Casa Museu João de Deus”. 4ª Conferência Nacional sobre Ludotecas. Oeiras, Maio de 2001.
- ”João de Deus ,Trajectos - Do Grés à Arte da Escrita” – coordenação geral, Março de 2010.

2.TRABALHOS MEUS CITADOS EM OBRAS DE OUTROS AUTORES
- O Pelourinho de Silves, sua classificação e possível datação, in “Levantamento Arqueológico-Bibliográfico do Algarve”, de Mário e Rosa Varela Gomes, Ed. Secretaria de Estado da Cultura, Faro, 1988.
- Levantamento dos Usos e Costumes de Silves. Suas Tradições, in “Guia da Cidade de Silves”, de Manuel Castelo Ramos e António Baeta de Oliveira, 1997.
- Algarviana, in “O ALGARVE. Da Antiguidade aos nossos dias: elementos para a sua história”, coordenação de Maria da Graça Maia Marques, Ed. Colibri, Lisboa, Abril de 1999.
- Notícia Histórico-Informativa sobre a Cidade de Silves, in “Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês. Exposição Permanente. Estudos. Catálogo”, coordenação de Jorge Custódio e Manuel Ramos, Ed. Fábrica do Inglês, S.A.., Silves, 1999
- Levantamento dos Usos e Costumes de Silves. Suas Tradições, in “Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês. Exposição Permanente. Estudos. Catálogo”, coordenação de Jorge Custódio e Manuel Castelo Ramos, Ed. Fábrica do Inglês, S.A.., Silves, 1999



*( entrevista concedida no dia 9 de janeiro de 2012 ,ao jornal Terra Ruiva ).