mulher




algo não estava certo .ela .sentada sobre a cama olhava a janela .a persiana corrida .o silêncio dentro fazia gorgitar o sangue que fluia feito de sonhos e dela .a janela trazia-lhe o barulho da rua .ela oferecia-lhe o silêncio em si .habituara-se às trocas quando lhe devolviam os trocos em velas nas igrejas do seu interior .gostava-as góticas ,não porque as visitasse ,antes porque acreditava que as rosáceas podiam encher-lhe a face de cor .a que não tinha
sentia-se tão linear
tão linear ao traço com que havia escrito a sua vida .tivera altos e baixos e os sapatos deixavam-na apertada .preferia andar descalça .pisar a areia .entrar no mar .comer as nuvens de açúcar e descobrir que apesar das fotografias tiradas e a tirar nunca saíra de si .as viagens que fizera haviam sido um erro .crasso .saíra ficando presa aos fantasmas que constituíam o seu olhar o mundo .que mundo? os continentes? os países? as cidades? perspectivas do seu olho interior .o que resistia .o que a segurava
.o que a fazia resistir ao medo .aos seus medos .em azul
pintados na tela que era a sua vida .nunca demonstrava que o medo fazia parte de si como se ao fazê-lo ficasse mais fragilizada .envolvia-se mas sabia-se sempre no outro lado da vida .a que o pintor jamais pintaria porque não tinha modelo que lhe servisse .a anorexia retirara-a do lado modelar e deixara-a simples aparência .de gorda .a mulher gorda que Renoir havia sensualizado sobre o leito .de morte .ela era a morte .a pintura .renúncia à cor e mais uma vez o medo de já não ser .de nunca ter sido .de não poder ser .o Ser que era
o nascer a Ser .Mulher



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este blogue ,de certo modo ,é um repertório de memórias .de memórias escritas ,ao longo de variadíssimas fases ,distintas no tempo e nos conteúdos .também ,de certo modo ,traça o meu percurso ,como autora ,ao longo dos anos .foi assim que (re)comecei ,num período já distante no tempo ,no entanto ,bem datado - finais da década de 60 ,e ,décadas de 70 ,80 e 90 do séc. XX
.tem sido assim ,após 2007 ( séc XXI )

dos anteriores rabiscos ,não guardo memórias

e assim me guardo ,escriba ,em ideo graphias ,prosa poética e verso .assim vou deixando rasgos por outros antros ,como uma vagamunda  ,tendo ,todavia ,o cuidado de resguardar ,neste blogue-mãe ,aquelas memórias que se propagam "ad aeternum" ,para serem tomadas

por quem as quiser por companheiras