algumas reflexões sobre cidadania ( acto I )




1. Amanhece
Exactamente na manhã


“Regra absoluta de uma alma livre: nunca aclamar um senhor governante, seja este liberal ou não seja; por maioria de razão, nunca ser tímido dele, não sentir por ele “instintivo respeito”, ou “temor aflito” ante o seu contacto: mas conservar uma atitude ( desprendida ) crítica, ainda que concordemos com a sua obra, ainda que o ajudemos na sua acção.
As almas libertas – as bem nascidas – só se comovem interiormente se inclinam ante as puras grandezas espirituais, quando desacompanhadas de qualquer poder.
Num Marco Aurélio, veneramos a nobreza do filósofo estóico, não veneramos o imperador de Roma”.

- António Sérgio

em Portugal face à passividade geral os homens do poder porque eleitos ditam as suas “leis” e aplicam-nas em nome da representatividade
são venerados como eleitos para – e como se estranharia se não cumprissem essa função – condicionar o comportamento da sociedade .e esta por “instintivo respeito” ou “temor aflito” inevitavel mente esteriotipada e amorfa vai perdendo cada vez mais influência
é então que por artes de magia os eleitos promovem ou patrocinam espectáculos circenses alienatórios das massas ( já de si alienadas ) que impulsiva mente aderem à festa
há no entanto os resistentes
aqueles que embora em minorias – culturais sociais políticas e intelectuais – buscam o essencial marginalizados do complô compulsivo do poder .fazem jus ao seu imaginário cientes de que em momentos de crise são as minorias que tendencial mente invertem os jogos do poder enquanto tal
.já é tempo de a cultura ser considerada na sua dimensão fundamental – não como um somatório de experiências “velhas e inúteis” mas como um modo de estar e de intervir como um ponto de partida e sobretudo como um impulso para uma procura inventiva de novas possibilidades de progresso e desenvolvimento humanos
todavia o trabalho que permite vencer o isolamento a apatia o individualismo o passivismo e fomentar uma atitude criativa e crítica não se concilia com o desejo que anima alguns eleitos de obter resultados rápidos e imediatos
passiva mente continuamos a não interiorizar os nossos valores essenciais a não exigir a preservação dos nossos símbolos suportes presentes da nossa história colectiva logo da nossa identidade como povo
face ao inegável há contudo quem tente resistir encontrando nas palavras de Miguel Torga a justificada fuga ao efémero – “Bem quero, mas não consigo alhear-me da comédia democrática que substituiu a tragédia autocrática no palco do país.
Só nós!
Dá vontade de chorar ver tanta irreflexão. Não aprendemos nenhuma lição política, por mais eloquente que seja.
(…)
Quando temos oportunidade de ser verdadeiramente livres, escravizamo-nos às nossas obsessões. Ninguém aqui entende outra voz que não seja a dos seus humores. É humoralmente que governamos, que legislamos, que elegemos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os níveis da cidadania.
Com oitocentos anos de história, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores da vida.”