a celebração do silêncio




há dias em que as palavras não se querem soltar
hoje é um desses dias .hoje celebra-se o silêncio cuja natureza condena o acessório muito embora para alguns ele seja também raiz de acção .mas o imperativo abstracto de "algo a cumprir" pode tornar-se em angústia em dualidade numa inquietação insustentável
o silêncio é muito mais sedutor do que a história das palavras e dos actos isolados
Maria sabe-o .a sua aparente solidez o seu olhar cansado o registo taciturno das suas contemplações interiores reservam uma mulher inteira .um ser cuja limpidez esconde o cuidadoso preservar da sua complexidade
nela toda a urgência do Ser
prisioneira das suas sombras o interesse de Maria pelos outros constitui a reconstituição permanente das suas fidelidades primordiais enquanto mulher
o presente .a repetição dramática da sua existência que procura resolver através da acção
as ciladas e as armadilhas da cidade foram-na transfigurando sem a desfigurar
reinicia o tempo de dar vida aos sonhos dos vinte anos e as palavras escritas sobre as tonalidades da vida urbana com que sonhou mais do que depoimentos ou simples repositórios pretendem iluminar o seu pessoal estoicismo silencioso
como muitas outras mulheres Maria sabe que o seu poder de intervenção hoje é extrema mente precário .aliás ela sempre odiou o poder pelo menos o poder enquanto poder .o poder redutor
o seu sonho consiste em fixar uma época .em relatar um tempo de sombras .em fixar uma travessia no círculo apertado do obscurantismo .mas sabe que não pode nem quer alcançá-lo sozinha .daí o seu humanismo eivado de uma forma peculiar de existência - Maria não aceita a dualidade - não entende que todos nós somos máscaras de quando em vez
no seu universo há encontros e desencontros
o retorno ao eterno arbitrário é uma faca de dois gumes e o terrorismo cultural e político onde se move e habita acaba por oferecer-lhe um bilhete para uma viagem sem retorno
Maria olha a direito .fala .à esquerda onde sempre se situou .ao centro .e à direita
como pedra o seu eco permanece sobre a terra e sobre o tempo .entre ela e as suas sombras ergue-se intacta a cumplicidade do que não se perde - a sua capacidade de Ser
mas será que isso lhe basta?
não .e ela sabe-o
nobilita-se num silêncio feminino .e actua

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amanhã - dia 11 de Fevereiro de 2007 - exorcizará os medos de todas as mulheres
.o SIM da liberdade